As “avós do clima”, como ficaram conhecidas, obrigaram o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a pronunciar-se esta semana sobre a inação governativa na redução da emissão de gases com efeito de estufa, alegando que essa ausência constitui uma violação do seu direito à vida e do seu direito à liberdade (pelo confinamento a que se veem forçadas em resultado dos problemas de saúde agravados). São quatro mulheres suíças, com mais de 80 anos, que se juntaram a uma organização com cerca de 650 associadas com mais de 75 e protagonizaram a queixa apresentada pela KlimaSeniorinnen contra o governo do seu país por não tomar medidas contra as alterações climáticas, capazes de as proteger dos efeitos das vagas de calor.
Utilizando o direito e a luta jurídica para chamar a atenção para a maior crise que vivemos à escala global, estas mulheres abriram um precedente. E não estiveram sozinhas: a par delas, um grupo de seis jovens portugueses também levou 32 países ao tribunal europeu por violação dos direitos humanos através da inação climática. O caso dos jovens, também apreciado na passada terça-feira, ficou pelo caminho, mas as “avós” conseguiram uma decisão favorável. O tribunal acabou por considerar que as autoridades suíças não respeitaram as suas obrigações ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos. No momento em que fizeram história, elas dedicaram a decisão aos portugueses com idade para serem seus netos.
A notícianão passou despercebida à imprensa, mas o clima não está no centro do debate público, nomeadamente em Portugal. A extrema-direita responde ao medo e à angústia com o conforto do negacionismo – como se pudéssemos subtrair-nos ao problema recusando as evidências. Governos mais ou menos liberais tratam a transição climática desconectada da justiça social, como se ela se fizesse pela imposição de sacrifícios individuais para os de baixo que tendem a poupar os de cima – por exemplo, os57 produtores que são responsáveis por 80% das emissões de C02 em todo o planeta.
A consciência sobre a tormenta que enfrentamos tem pouca consequência nos termos em que debatemos o presente e o futuro: na discussão, por estes dias, sobre o que fará o próximo governo; ou nos programas de comentário televisivo; ou nas polémicas que vão incendiando as redes sociais, o confronto político sobre o clima é quase sempre marginal, emergindo quando muito deformado em polémicas como o IUC ou os subsídios à agricultura.
Neste ambiente de anestesia e de distorção, a acusação política e o alerta das “avós do clima” é um grito de lucidez. Noutro tempo e noutro espaço, também a outras avós houve quem chamasse de “loucas”: as que, na Praça de Maio, em Buenos Aires, Argentina, se recusaram à amnésia sobre os crimes da ditadura de Videla. As avós suíças escolheram outras praças para a sua luta, e a justiça que exigem é de outra natureza. Mas também elas recusam a dissolução de responsabilidades e a ausência de respostas.
Vivam, pois, estas avós, que somam um patamar de intervenção às greves climáticas estudantis que varreram tantos países, aos alertas de Greta Thunberg, aos apelos de Guterres sobre a aceleração do aquecimento global. Possam os corajosos jovens portugueses e as audazes avós abanar o adormecimento geral e, interpelando os juízes, trazer à liça os governos e tocar a consciência da maioria.