Deparo-me muitas vezes com um fenómeno a que chamo de Filosofia inesperada. Trata-se de vaticínios, ensinamentos filosóficos ou questões morais profundas vindas dos agentes mais improváveis.
O efeito surpresa, aliado a surgirem normalmente no meio de tarefas mundanas, faz com que as expressões ou frases em questão assumam para mim um efeito drástico. Estou no computador, a pesquisar alguma coisa, quando, do nada, aparece no écran a pergunta, em tom de aviso: “Tem a certeza de que pretende continuar?”. Olho alguns segundos para a interrogação, que deixa de estar relacionada com descarregar um ficheiro, e passa a trazer uma espécie de mensagem profética sobre a minha vida. É inevitável perguntar-me: “Tenho a certeza de que pretendo continuar?” Não será essa a questão essencial, afinal de contas?
Também é frequente tentar abrir uma página ou fazer um download e aparecer: “Este ficheiro não existe”, expressão que entra no campo da filosofia do absurdo e que carrega ecos existencialistas evidentes. A fatalidade destas sentenças leva-me a pensar no absurdo da minha própria existência.
Vou recebendo pequenos reforços e lembretes divinos que me obrigam a parar para reflectir na vida. A constante exigência: “Prove que não é um robô” traz-me inquietude, especialmente porque o método usado para provarmos que não somos robôs consiste numa série de provas pouco humanas, como seleccionar imagens de passadeiras em quadrados pixelizados.
A famosa epígrafe da Nintendo “Everything not saved will be lost” parece um ensinamento de algum monge, daqueles que não devemos ignorar. O mesmo acontece com o GPS, cuja mensagem “Chegou ao seu destino” me soa sempre mística. O tom jocoso do “Ups, algo correu mal”, que surge por vezes em certos sites, sem mais explicações, lembra-me um mestre mais provocador, a testar os nossos limites.
Os sinais de trânsito também são muito eficazes, embora por vezes mais julgadores e moralistas. Eles advertem-me: “Cuidado com o desvio”, o que me parece mais sinalização de conduta moral do que rodoviária. O moralismo da sinalização ou da tecnologia atinge-me e faz-me sentir culpada. Tal como quando envio um texto e o Gmail me pergunta: “Pretende enviar mesmo assim?” e me obriga a uma reavaliação interna.
Por vezes, os sinais de trânsito parecem sinais do universo. E também anunciam estados de alma. O de “Depressão acentuada” soa a prenúncio. Nem na praia estou a salvo do tom peremptório destes aforismos. O “Perigo de desmoronamento” desorganiza a minha alma.
O Instagram também apresenta mensagens fortes, mas ainda mais desmotivadoras e niilistas. Após terminar um scroll, ele avisa-me “Já não tens nada.” O que não deixa de me deitar um pouco abaixo.
Quem somos, de onde viemos, qual o nosso destino? As grandes questões filosóficas estão a ser feitas. Só que os mestres agora são outros.