Não é ao acaso que o espaço pensado de raiz por António Loureiro e instalado na sua terra natal se chama A Cozinha. Todas as mesas, mesmo as recentemente instaladas na sala, mais ampla desde a remodelação que antecedeu a primavera, têm vista para este espaço de experimentação e detalhe onde (quase) tudo acontece. Foi daqui que partiu o foco para a remodelação: conceder maior espaço de trabalho para aprofundar o aproveitamento dos produtos de cada época, por meio de diversas técnicas que permitem conservá-los durante todo o ano, tal como sempre se fez, por conservas, compotas e fermentados.
Outra das novidades a assinalar é a amesendação, em que se reforça a ligação ao Minho em diversos apontamentos e na cutelaria: todos os talheres que acompanham a refeição têm origem na Cristema, empresa de origem vimaranense.
A ligação à tradição e à sabedoria popular na cozinha é uma constante, a par do respeito pelo tempo de cada produto. Com este mote, há um novo menu para provar nesta casa vimaranense. Não é primavera-verão, nem outono-inverno, mas Transição, focando o momento exato em que os ingredientes de inverno dão lugar aos que começam a despontar com a energia do sol e do calor. Apesar da atenção ao tempo certo de cada produto ser a base constante dos menus de degustação “Ensaios d’a cozinha”, que se vão apresentando com diferentes nuances e abordagens a cada temporada, o menu Transição vai mais longe, mudando com maior frequência e atendendo ao facto de as alterações climáticas se refletirem cada mais na época exata em que os produtos despontam da terra. “A transição entre as estações já não é um processo automático”, reflete António Loureiro no blog que dedica à dinâmica do restaurante, sublinhando, “ainda sou da geração que sentia a mudança das estações e é, por isso, extraordinariamente importante manter essa memória e preservá-la como um legado para as futuras gerações. A minha memória traz-me sabores e aromas característicos, que ainda associo a determinadas estações do ano. Essa memória leva-me a procurar os produtos e os respetivos produtores”.
Transitar entre as sazões
“O clima está a mudar e com isso os produtos atingem o seu esplendor em diferentes períodos, nem sempre associados às estações tal como as conhecemos. Este Menu Transição é uma viagem pela forma como nos adaptamos a este novo ritmo das estações, aos efeitos do clima, procurando sempre o esplendor do produto, numa relação cada vez mais próxima com os produtores locais”, define António Loureiro.
Com o menu Transição, que convive na ementa com o Ensaios d’A Cozinha e também com os pratos individuais servidos à carta, esta premissa vai ainda mais longe, tornando a própria natureza em mudança a base de todo o processo criativo. Independentemente da escolha, conte com vinhos de proximidade – essencialmente verdes e durienses, mas transversais a todo o país e também cada vez mais focados na produção biológica.
O menu inicia-se com um desfile de entusiasmantes snacks, capazes de revelar algumas técnicas de cozinha que não são expressas mais adiante, ao longo dos nove momentos que compõem a degustação Transição (€120). Atualmente, Beterraba e mostarda; “Caldo de cozido e terrina”; “Salmonete e bivalves”; “Bacalhau e bacalhau”; “Codorniz de milho e piri-piri”; “Peixe-galo e cuscus artesanais”; “Presa de porco e couve” compõem o repasto que encerra com “Pêra, mel e limão” e “Leite-creme e abóbora”.
Sobre o restaurante A Cozinha (Largo do Serralho, 4, Guimarães. Tel. 253534022), Garfo de Ouro e prémio sustentabilidade para o Guia Boa Cama Boa Mesa 2024, pode ler-se: “Falar da cozinha de António Loureiro e d’A Cozinha por António Loureiro é falar de sustentabilidade: é o primeiro restaurante europeu certificado com zero resíduos, já que se comprometem a minimizar o impacto no ambiente, trabalhando com fornecedores locais e produtos de época, com base na política de “quilómetro zero” – a horta vertical, no primeiro andar, reúne mais de 200 vasos para produção bio de aromáticas e vegetais. Mas também é falar de tradição e inovação, os outros pilares do restaurante, que sofreu obras de renovação, mantendo a cultura gastronómica portuguesa e as memórias do chef como parte da sua identidade. O “Menu Caldos e Brasas”, forte-mente influenciado pelos costumes dos povos do Norte, é marcado por pratos de conforto e sabores fortes, como o “Nabo e cogumelos”, a “Canja de perdiz e tapioca”, o “Bacalhau e bacalhau”, com lombo, sames e língua, para tirar o máximo proveito do produto, e o “Pombo e castanhas”. O pão artesanal mantém-se na mesa até ao final da refeição, “para que todos os caldos e molhos sejam absorvidos pelo consolo de um pedaço ainda morno”.
Boa Cama Boa Mesa
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