1. A Agenda Verde foi “imposta” aos Estados-membros pela Comissão Europeia, em Julho de 2021. Doze textos, com milhares de páginas e, uma ambição desmedida: “liderar a transição ecológica e energética”, a nível mundial e, transformar-se no primeiro Continente, livre de emissões de CO2 até 2050.
A experiência da vida ensina-nos a duvidar. E começo por não se acreditar que tenha havido muitas pessoas (incluindo altos responsáveis) a ler e a pensar sobre estes milhares de páginas!
Ficou o registo, no entanto, de que quase metade dos 26 comissários europeus tinham muitas incertezas sobre a eficácia da Agenda, onde tanta ambição era um fim com sabor a propaganda, onde as metas de descarbonização enunciadas dificilmente poderiam ser atingíveis (indústrias pesadas, transportes pesados, marítimos e aéreos) e onde muitos pressupostos económicos e tecnológicos não estavam reunidos para dar sustentabilidade à sua realização, designadamente na área da energia, elemento primordial de qualquer Agenda Verde, digna desse nome.
Duvido ainda de programas de muitas páginas. Normalmente, este tipo de trabalhos esconde o pouco domínio que os próprios construtores têm do assunto, um conjunto de ideias confusas que não sabem como as explicar nem como prosseguir. Por isso, rodeiam-se de floreados palavrosos.
2. O IFRI – Institut français des relations internationales, uma instituição de referência em questões internacionais, no panorama francês e internacional, criado em 1979, levanta, desenvolve e aponta grandes riscos quanto à implementação da Agenda Verde da Comissão Europeia.
Desde logo, nas ambições desmedidas e irrealizáveis assentes em pressupostos demasiado frágeis, como se referiu. E mais, afirma que na Agenda não foram consideradas as consequências económicas, sociais e financeiras, nem se os países-membros eram detentores de instrumentos adequados de todo o tipo para a realizar.
Aliás, o descontentamento recente dos agricultores, que atravessou toda a Europa, é uma prova do que se acaba de referir, pois a enorme contestação do mundo agrícola virou-se para o Green Deal (Agenda Verde europeia) como a principal causa dos seus problemas. A situação está adormecida por algumas cedências e recuos dos Governos nos vários países e alguns subsídios, mas pronta a reaparecer a qualquer momento.
Esta análise crítica da Agenda Verde europeia consta de um relatório com menos de 40 páginas, um relatório alarmante, de Janeiro de 2024, sob a designação How Can the Green Deal Adapt to a Brutal World.
Aliás, o relatório do IFRI não só coloca questões pertinentes sobre a fundamentação inicial da Agenda Verde, quanto acentua que, com ela, se multiplicaram “os constrangimentos às empresas e populações” e, hoje, ainda se encontra em maior degradação, pois não internaliza as profundas alterações que ocorreram ao longo dos últimos três anos no ambiente geopolítico, comercial e financeiro.
As mudanças no ambiente geopolítico e comercial, como a guerra entre os países europeus e a Ucrânia, a crescente oposição entre o Ocidente e o Sul global, a deterioração da situação económica e financeira mundial, a nova geografia da energia, a inflação, o enfraquecimento das cadeias de valor, tornam a Agenda Verde ainda mais surreal e vulnerável.
Estas mudanças – refere o relatório – “exigem uma reavaliação estratégica e ajustamentos significativos do Pacto Verde” e continua: [a situação é preocupante: “embora o passado da UE nos diga que foi feita prova de coesão face a crises, esta tendência actual poderá ser perturbadora”. A UE corre o risco de ser submersa por várias crises em simultâneo. Ela terá gastado mais de 600 mil milhões de euros em importações de energia em vez de os alocar à transição energética. Os governos terão gastado outro tanto na atenuação das crises energéticas. Estes são números alarmantes.
Mas a Comissão Europeia continua a insistir no seu prosseguimento, aprofundando muitos anti-corpos internos contra a Agenda, apesar das contestações crescentes como se referiu dos Agricultores, mas que se estendem a toda a sociedade, aos industriais, opinião pública e Governos.
No meio de toda esta confusão, a Comissão Europeia apressou-se pela voz de Von der Leyen a propor uma nova meta de baixa de emissões de CO2 para 2040, quando os apelos vão no sentido de uma pausa de reflexão em várias áreas. Mais um passo contranatura!
União Europeia a descarbonizar por péssimas razões
3. A União Europeia está mesmo a descarbonizar, de forma altamente perigosa.
O perigo reside – acentua o IFRI – porque a descarbonização é decorrente não de políticas eficazes (advindas do Pacto Verde), mas do facto da UE descarbonizar através do encerramento das suas indústrias com utilização intensiva em energia (como as indústrias químicas), das baixas taxas de crescimento, do aumento da dependência das importações, do enfraquecimento e falência de instituições e dos mercados fragmentados.
Os preços da energia são um factor determinante que retira competitividade à economia europeia face a outros espaços económico-políticos como os EUA, China, Índia. A Europa entrou em perda lenta no contexto mundial.
E se a União Europeia mudasse de agulhas
4. A União Europeia precisa urgentemente de mudar de agulhas. Poderia aproveitar o período até às eleições de Junho para colocar meia dúzia de ideias fortes em discussão, entre elas, sem dúvida, a do Pacto Verde que poderia servir de pivot na ligação com outros domínios internos onde a economia, a ciência e a tecnologia devem sobressair, tendo as pessoas e as empresas no centro.
Por outro lado, a União Europeia tem de conquistar peso político próprio no ambiente geopolítico internacional. Para isso, precisa de uma estratégia sua e não de uma política importada. Se olharmos para o ambiente complexo das duas guerras, Ucrânia e Hamas-Israel, temos de admitir que a União não teve e continua a não ter acção própria. Desempenha um papel titubeante, a reboque dos EUA.
Estou convicto de que estou a falar sobre o impossível.
As eleições para o PE vão se transformar numa ladainha, em todos os países e não só em Portugal, sobre questiúnculas nacionais. O que é muito perverso. Os verdadeiros problemas passam ao lado.
O campo eleitoral fica, assim, aberto às direitas radicais
5. Indo por este caminho, não sendo a campanha das eleições europeias o espaço de debate dos problemas europeus, as populações sentem-se naturalmente mais distantes e cada vez percebem menos as coisas simples do que é ser Estado-Membro.
De uma forma geral, as pessoas apenas sabem que há fundos financeiros e muitas vezes desconhecem as implicações decorrentes desses fundos. Muitos políticos também se comportam como se não soubessem, o que até, em muitos casos, é verdade.
Um equacionamento de fundo das questões, que o IFRI bem levanta no seu relatório, poderia começar por um debate sério agora nas eleições europeias. Sem conhecimento dos problemas não há mudança a não ser no sentido para uma situação pior ou do caos. E quanto menos conhecimento e informação houver, maior é o caminho que se abre às direitas radicais.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.