Pode parecer exagerado, mas não é: nesta terça-feira, Portugal pode entrar para a história da litigância climática na Europa. Aliás, já entrou, desde o momento em que seis jovens portugueses submeteram ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), em Setembro de 2020, um processo inédito contra mais de 30 Estados do Conselho da Europa por incumprimento das suas obrigações internacionais (como o Acordo de Paris), resultando em fenómenos climáticos com impacto na saúde e na qualidade de vida que põem em causa os direitos humanos.
Os protagonistas são três irmãos de Meirinhas, no distrito de Leiria — Cláudia, Martim e Mariana Agostinho —, a vizinha Catarina Mota e ainda os irmãos André e Sofia Oliveira, de Almada. Em 2020, tinham idades compreendidas entre os oito e os 21 anos (hoje, Cláudia e Catarina já trabalham, Martim e Sofia estão na universidade, Mariana anda no ensino básico e André no secundário). O mote para este caso foram os grandes incêndios de 2017, que tiveram um impacto na vida destes jovens, e que serviu para a Global Legal Action Network (GLAN) abordá-los no sentido de construir um processo que fosse apresentado directamente ao TEDH, sem passar pelos tribunais nacionais.
Além do impacto directo dos incêndios na vida de alguns destes jovens (com suspensão das aulas ou poluição causada pelas cinzas) e de outros fenómenos meteorológicos exacerbados pelas alterações climáticas (como ondas de calor), estes também mencionam a ansiedade causada pelas mudanças no clima, assim como a perspectiva de viverem o resto das suas vidas num planeta em processo de transformação drástica em resultado das alterações climáticas.
No processo, os jovens portugueses alegam violações dos artigos 2.º e 8.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, sobre o direito à vida e respeito pela vida privada e familiar, assim como do artigo 14.º, de proibição de discriminação (neste caso, em função da idade). O caso traz ainda outro desafio, apresentando explicitamente ao TEDH a questão da jurisdição extraterritorial, ao reclamar responsabilidade de dezenas de países.
E se o processo parece demasiado ousado para chegar a bom porto, há vários sinais que mostram que o TEDH está disponível para levar o caso a sério: não apenas foi escolhido para ser levado à Grande Chambre, onde apenas os casos mais importantes (e uma fracção dos que são apresentados) são analisados, como o tribunal decidiu incluir, entre as questões a esclarecer por parte dos Estados, uma eventual violação do artigo 3.º, relativo à proibição da tortura, que determina que ninguém pode ser submetido a “tratamentos desumanos ou degradantes”.