Apesar do impacto do desagravamento em IRS projetado para este ano, e da manutenção de previsões de crescimento fracas, as perspetivas orçamentais são favoráveis e permitem calcular para este ano um excedente orçamental ainda significativo antes da tomada de quaisquer medidas do programa do novo Governo, que será conhecido amanhã.
Novas projeções orçamentais, publicadas nesta terça-feira pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), fazem luz sobre a margem orçamental imediatamente disponível para um período de governação que, de acordo com as promessas de período eleitoral, prevê um alívio fiscal de cinco mil milhões de euros assim como subida de despesa permanente com valorizações remuneratórias e nas prestações sociais que reforçam pensões ao longo dos próximos anos.
De acordo com o CFP, o excedente orçamental deste ano encolheria para menos de metade dos 1,2% do PIB de 2023, mas ficaria ainda em 0,5% do PIB num cenário em que o Executivo de Luís Montenegro se limitasse em 2024 a aplicar as medidas deixadas pelo anterior Governo. O superávite projetado corresponderia a 1.390 milhões de euros, nos cálculos do Negócios com base nas previsões para a evolução do PIB.
A queda do valor do saldo face ao ano passado é em parte explicada pelas previsões de abrandamento económico. Contrariamente ao Banco de Portugal, que reviu recentemente a subida do PIB esperada neste ano para 2%, o CFP mantém o pessimismo. A previsão de crescimento para 2024 mantém-se em 1,6% e há apenas revisões muito ligeiras em alta nos anos seguintes face ao que era esperado em setembro pela entidade liderada por Nazaré Costa Cabral – em contraste com as expetativas bastante mais altas do programa económico da Aliança Democrática.
Apesar do desempenho pior da economia e também do impacto de medidas como o desagravamento das taxas de IRS, melhoria de alguns apoios sociais, ou expetativa de aumento do investimento público e de encargos com juros, a consolidação orçamental dos últimos anos criou “um ponto de partida favorável” para o médio prazo que coincide com o horizonte da nova legislatura.
Para 2025, novamente num cenário sem novas medidas de política, é possível esperar um excedente de 0,6% do PIB, melhorado. Desde logo, por previsões de algum maior crescimento económico (1,9%), mas também pelo efeito de retirada de medidas extraordinárias de resposta à inflação, menores encargos com PPP e retirada de impacto do pagamento de uma indemnização judicial pelo Estado prevista para 2024.
PRR pressiona contas em 2026
Em contrapartida, a reprogramação dos fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – com maior recurso a empréstimos do que o inicialmente previsto – vai exercer maior pressão sobre as contas públicas. Ainda em 2025, o impacto da despesa de investimento do PRR financiada com recurso a empréstimos será de 0,3% do PIB. De contrário, o saldo atingiria 0,9% do PIB.
Mas é para 2026 que se projeta o maior impacto da reprogramação dos fundos da chamada bazuca, equivalente a 0,8% do PIB, que comprimirá fortemente o saldo e limitará, assim, o espaço de manobra orçamental do Governo. O CFP espera um excedente no limiar do equilíbrio, de apenas 0,1% do PIB, no ano de final do prazo para a execução do plano nacional. Novamente – recorde-se – porque não são tidos em conta impactos de eventuais medidas do novo Governo.
Neste cenário que não pesa os 7,2 mil milhões de impacto anual, em velocidade cruzeiro, das principais medidas do programa AD, as contas públicas estarão de volta aos excedentes elevados após terminada a execução do PRR. O CFP projeta um saldo orçamental de 0,8% do PIB tanto em 2027 como em 2028.
Já no que diz respeito à evolução da dívida, as projeções do CFP não se desviam significativamente do esperado há seis meses. Está prevista uma redução do peso da dívida pública de 19 pontos percentuais até 2028, face aos 99,1% do PIB de final do ano passado. Assim a dívida deverá alcançar os 80,1% do PIB dentro de quatro anos.
Um longa lista de riscos
Mas as projeções do CFP para as contas públicas estão longe de constituir previsões, assinala a entidade, lembrando um conjunto de riscos significativos à evolução favorável traçada até 2028. Desde logo, os riscos associados à incerteza económica mundial, mas também os que têm que ver com todas as medidas e projetos que terão de avançar nos próximos anos e cujos impactos não são contabilizados nos pressupostos das projeções publicadas.
O CFP elenca as grandes obras públicas na calha – do novo aeroporto de Lisboa à alta velocidade – assim como a esperada “resposta às reivindicações salariais das forças de segurança e dos professores do ensino básico e secundário” e o esperado alívio fiscal, que contempla reduções em IRS e IRC, além de outros impostos. Há ainda a elevação do valor de referência do Complemento Solidário para Idosos para 820 euros, também prometida.
E, por fim, há mais pressões orçamentais a considerar, com o CFP a referir as que decorrem da situação remuneratória das carreiras da saúde e justiça e a admitir a possibilidade de terem sido subestimados encargos com o mecanismo de dedicação plena dos profissionais da saúde.
Na longa lista de riscos, surgem ainda aqueles que venham a decorrer do envelhecimento e das desigualdades (com impacto nas prestações sociais pagas), da necessidade de subir despesa em defesa devido aos compromissos assumidos na NATO ou ainda eventuais gastos “em resultado de eventos meteorológicos extremos como sejam a seca severa e o risco de incêndios florestais”, entre outros.
Mas não há apenas riscos de um agravamento nos resultados orçamentais. O CFP também admite a possibilidade de resultados acima do esperado na trajetória orçamental. A receita fiscal poderá crescer mais do que é admitido no cenário central e as contribuições sociais poderão também subir acima do que se espera nos salários.
O investimento planeado pode também ficar aquém da meta, e os encargos com juros serem inferiores ao previsto.
Mas poderá ainda haver “maiores dividendos a receber de empresas públicas fora do perímetro das AP, nomeadamente do sector financeiro”, diz o CFP, após os lucros históricos da Caixa Geral de Depósitos em 2023 terem gerado 525 milhões de euros em dividendos para o Estado, acima do previsto.
E a despesa social pode ainda crescer menos do que espera agora o CFP, num momento em que o mercado de trabalho continua a favorecer menores gastos com subsídios de desemprego.
No caso da saúde, também, o CFP admite “potenciais ganhos de eficiência que possam compensar, ainda que parcialmente, o crescimento da despesa deste sector”.