A palavra saraivada descreve uma precipitação abundante ou, num jargão mais bélico, uma descarga de tiros. Não foram tiros a cair sobre Kiev desde o começo deste 2024, mas sim (em abundância destruidora) drones e mísseis, quase duas centenas – 180 segundo precisou esta segunda-feira a Administração Militar da capital da Ucrânia.
Mais acrescenta Sergei Popko, o chefe da Administração: a maioria dos projéteis é de fabrico iraniano – pese embora o regime de Teerão insista em rejeitar ter vendido, ou que venda ainda, drones a Moscovo.
Apesar de quase duas dezenas destes projéteis serem mísseis hipersónicos Zircon e Kinzhal, difíceis de intercetar, Kiev, apetrechada de sistemas de defesa aérea Patriot (de fabrico norte-americano), orgulha-se de ter abatido “várias vezes” tais misseis. “Foi incrivelmente difícil, mas resistimos a estes golpes. Respeito e agradeço aos nossos soldados da defesa aérea que cobrem os céus da capital”, escreveu Sergei Popko nas redes sociais.
E concluiu, Popko, apelando ao envio pelo Ocidente de mais equipamento de defesa aérea: “Nunca ninguém na história resistiu a um número tão elevado de ataques de mísseis. É assustador imaginar as consequências se todos estes poderosos meios de destruição atingissem os seus objectivos.”
Já em Kharkiv, a segunda maior cidade da Ucrânia, profundamente atacada (os ataques russos às infraestruturas energéticas deixaram Kharkiv sem energia) por Moscovo nas últimas semanas, também dos céus não houve descanso. Nesta região, e nesta segunda-feira, foram utilizadas bombas guiadas KAB, causando destruição em escolas, residências para estudantes universitários ou outros edifícios de habitação – não havendo, contudo, mortes contabilizadas.
Segundo Igor Terejov, presidente da câmara de Kharkiv, a Rússia estará a atacar a cidade no leste da Ucrânia (onde atualmente vivem 1,3 milhões de pessoas) recorrendo a “novas armas, com maior alcance”. Terejov não espera um abrandamento dos bombardeamentos russos, embora adiante que pouco mais haverá para destruir: “Quase toda a infraestrutura energética já foi destruída e a privada também foi danificada”.
Outras notícias que marcaram o dia
⇒ É a diplomacia a fazer o seu papel – ou a pressão possível. Vladimir Putin e Moscovo invadiram a Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022, desencadeando a crise de segurança mais grave na Europa desde a Segunda Guerra Mundial, mas não o fizeram sem aliados – mesmo que muitos não “sujem as mãos”. Um aliado (sem surpresa) importante é a China – e o comércio bilateral entre ambos os países aumentou 26,3% em plena guerra, o equivalente a 223 mil milhões de euros. De visita à China, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Stéphane Séjourné, afirmou esperar que Pequim envie “mensagens muito claras à Rússia” sobre o conflito na Ucrânia. “A China desempenha obviamente um papel fundamental para garantir a independência da Ucrânia e o respeito pelo direito internacional, incluindo a sua soberania”, acrescentou Séjourné. A China, declarando-se “parte neutra”, mas garantindo que trabalha por ora numa solução política para pôr fim à guerra, recusou-se contudo a condenar a Rússia pela invasão da Ucrânia.
⇒ Diplomacia, mas desta vez em tom de aviso, fez igualmente Donald Tusk, actual primeiro-ministro da Polónia e antigo presidente do Conselho Europeu. Segundo Tusk, a Europa está numa “era pré-guerra”. E advertiu, sobre a ameaça que Moscovo representa e “uma nova era” que chegou: “Estamos a viver o momento mais crítico desde o fim da II Guerra Mundial”. Ao contrário da China, a Polónia de Tusk não fica em cima do muro, e vem-se posicionando politicamente e, quem sabe, militarmente. É que se é verdade que se afastou da Hungria de Orbán e da Eslováquia de Robert Fico (ambos pró-Kremlin), em contraponto aproximou-se do eixo franco-alemão – onde impera uma agenda pró-UE e pró-NATO. Tal equivale a um esvaziamento da importância do Grupo de Visegrado (Chéquia, Eslováquia, Hungria e Polónia) e a uma maior preponderância do Triângulo de Weimar (Alemanha, França e Polónia).