“Um miúdo feliz, bonacheirão e simpático”. Rui Vitória nasceu e cresceu em Alverca, em 1970. A mãe era secretária na OGMA, uma empresa de manutenção e fabrico de materiais para os aviões, o pai era soldador na TAP.
Não passavam dificuldades, mas a família era “humilde”. Os pais trabalhavam “de manhã à noite” para sustentar os dois filhos e poupavam para as tão aguardadas férias no Algarve.
A viagem de férias no verão para Monte Gordo era uma “felicidade tremenda”. Saiam de Alverca de madrugada, com o carro carregado – “até iam as panelas, os tachos e os colchões”, recorda. Dormiam no parque de campismo e o pai fazia a mesma viagem dois meses antes para reservar lugar para as tendas.
Em criança saía de manhã para jogar à bola com os amigos, regressava para almoçar e voltava a sair até à hora do jantar. “Quando era para ir comer, o meu pai assobiava para ir para casa”, lembra.
O desporto e o futebol estiveram sempre presentes. Licenciou-se em Educação Física na Faculdade de Motricidade Humana, durante o curso jogava à bola e com os 25 contos que ganhava ajudava os pais a pagar as despesas. Com 19 anos, começou por dar aulas na escola Secundária de Alverca, onde estudou. À noite tirava o curso de treinador e jogava futebol sénior.
O CEO é o limite
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“Nunca imaginei ter a vida que tenho hoje”. A mãe foi sempre muito cética em relação ao futuro do filho – “Ela perguntava-me muito: ‘O que vai ser da tua vida?’”, confessa. Para a família e para a terra onde vivia “os horizontes sempre foram muito curtos”.
Tudo mudou quando recebeu duas chamadas num domingo à noite. Tinha dois convites para ser treinador em dois clubes. Foi o clique para deixar de ser jogador. No dia seguinte fez as malas, mudou de casa e apresentou-se como técnico do Vilafranquense. Foram tempos complicados, houve salários em atraso e a “resolução de problemas era diária”. Foi nesta altura que apareceu o Benfica, mudou-se para o Seixal e passou a treinar os juniores.
Ser ou não ser
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Foram dois anos a treinar a formação, mas sabia que o objetivo era chegar ao futebol profissional. Esteve no Fátima quatro épocas e continuava a dar aulas em Alverca. Deixou o ensino quando deu o salto para o Paços de Ferreira que mais tarde lhe abriu portas para o convite de Luís Filipe Vieira para ser treinador do Benfica.
“Especulava-se que podia ser um dos escolhidos, mas pensava que não era o passo que o Benfica queria dar”, desabafa.
Entrou no Benfica num momento delicado. Jorge Jesus tinha saído para o Sporting, os primeiros seis meses foram difíceis. “O barco era pesado e ninguém acreditava em mim”.
Foi já como treinador do Al Nassar, na Arábia, que acompanhou o caso que envolveu o antigo presidente do Benfica. A boa relação entre ambos é pública e confessa que não foi “fácil” ver “uma pessoa de quem gostamos ser exposta” daquela maneira.
No Princípio Era a Bola
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O treinador Rui Vitória é convidado do novo episódio do Geração 70.
Nesta conversa com Bernardo Ferrão conhecemos o outro lado do mister. Falamos sobre a infância, adolescência, carreira, evolução do futebol, a pressão mediática – dos adeptos, das claques, dos presidentes dos clubes – e até o que pensa sobre os jogadores de hoje: “O balneário tornou-se mais difícil para um treinador. A sua palavra tem menos impacto junto do jogador. Depois de um jogo não procuram saber se a prestação foi boa ou má, chegam ao balneário e agarram-se aos telemóveis”, conclui.
Agora está sem clube, depois de uma curta passagem pela seleção do Egito. Não fecha a porta a um dia ser Selecionador Nacional, mas por agora descarta. “A Seleção está muito bem entregue”, diz.
Esta entrevista foi gravada antes da eleição de André Villas Boas para a presidência do FC Porto.
Geração 70 não é um podcast de política ou de economia, nem de artes ou ciência. É uma conversa solta com os protagonistas de hoje que nasceram na década de 70. A geração que está aos comandos do país ou a caminho. Aqui falamos de expectativas e frustrações. De sonhos concretizados e dos que se perderam. Um retrato na primeira pessoa sobre a indelével passagem do tempo, uma viagem dos anos 70 até aos nossos dias conduzida por Bernardo Ferrão
Perguntar Não Ofende
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