Atravessando filas e filas para brindes e mais brindes, mas também para comes e bebes (ainda que as segundas pareçam andar mais rapidamente do que as primeiras), chegamos ao palco Mundo, a partir do qual às 18h03 deste domingo, ecoa música. A capacidade sonora parece razoável, tendo em conta que a multidão se espraia por algumas centenas de metros e o som se mantém com níveis de volume e definição aceitáveis; já a visibilidade para o palco e, inclusive, para os ecrãs que o rodeiam, como ontem se verificou na enchente de Scorpions, poderá reduzir-se significativamente quando, mais logo, Ed Sheeran reunir diante de si cerca de 80 mil pessoas, os números que a organização avança para a segunda lotação esgotada desta edição de Rock in Rio. Por enquanto, Jão ainda se vê bem. E talvez isto seja o melhor que se pode dizer de um concerto morno, às vezes morto, onde o artista brasileiro se revelou incapaz de agarrar uma plateia que prefere o ‘outro’.
O que nos deu, então, João Vítor Romania Balbino, 29 anos, voz que se revelou em 2021 com o êxito radiofónico ‘Idiota’, aquele onde canta “Eu vou te beijar como um idiota beija/ Vou me preparar pro dia em que você já não me queira/ Mas enquanto você não se cansa/ Eu vou te amar como um idiota ama”?
Pop-rock suavezinho, liricamente preso às (des)ilusões amorosas e aos clichés dos desencontros do coração, “eu te juro amor eterno, mas no fundo eu não presto” (‘Santo’, servido no início), coros femininos e metais a adensarem uma música que soaria igual com metade do aparato. Algo que Cazuza, nos anos 80, fez estupendamente bem, infelizmente por muito pouco tempo. Vestindo um colete cintilante diretamente em cima do corpo, Jão revela de imediato alguma falta de jeito na comunicação com a plateia e, talvez acometido pelo nervosismo, desfia uma narrativa pouco natural e recheada de lugares-comuns. “Este show ainda não começou e eu já estou apaixonado por vocês.” (OK, todos dizem o mesmo, mas imagine-se isto dito por alguém que parece estar a ler uma receita.) Mais adiante, aparece a comer um pastel de nata (esse símbolo da portugalidade nascido na crise 2010-2014 e tornada secular pelo ‘very typical 2.0’ dos últimos dez anos), mas não faz disso um acontecimento, é como um número falhado: ninguém repara.
Com uma passadeira azul onde desfila sem o carisma de outros ‘poseurs’ – é como se Jão quisesse ser uma estrela mainstream, mas não deixasse de ser ‘alternativo’ na forma como projeta a personalidade em cima do palco -, resulta melhor quando tenta um lado mais ‘soulful/R&B’ vespertino (‘Locadora’), resulta pior quando as baladas acústicas expõem mais o lado repetitivo das suas letras.
Integrante da comunidade LGBTQ+, veste a bandeira arco-íris em ‘Meninos e Meninas’ (‘Mas meu coração é grande e cabem/ todos os meninos e as meninas/ que eu já amei’), manifesta felicidade (mas estupidamente contida; ó Jão, solta-te!) por ter chegado onde chegou (“Um dia vai rolar, um dia vai acontecer e olha onde a gente está”) e, alguns minutos e um êxito mais expedito depois, despede-se com simpatia. Não mais do que isso.