A Escola Básica Dr. Costa Matos, em Gaia, está a transformar o recreio num tabuleiro à escala real, com o objetivo de, através da pintura de jogos tracionais no pavimento, promover atividades coletivas e reduzir o uso do telemóvel.
Filinto Lima descreve-se como alguém do século passado. O diretor do Agrupamento de Escolas Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, no distrito do Porto, é do tempo, não tão distante, em que o rebuliço que se seguia ao toque para o intervalo em nada tinha que ver com o telemóvel.
Hoje, a realidade que o preocupa é bastante diferente. Nas escolas públicas, e não só, discute-se como abordar o uso excessivo destes equipamentos, que a tecnologia fez também ganhar expressão como ferramenta educativa em contexto de sala de aula.
Nos recreios escolares, o telemóvel compete hoje com as brincadeiras pela atenção de crianças e adolescentes, numa equação que tem levado várias escolas a proibir o seu uso.
No agrupamento Costa Matos, a proibição não está em cima da mesa. A comunidade educativa que lidera escolheu encontrar novos caminhos. Na tarde de terça-feira, deu o primeiro de vários passos que, esperam, possam ajudar os alunos a escolher as atividades coletivas a qualquer interação impessoal oferecida pelo telemóvel.
A iniciativa-projeto de um professor de educação física da EB Dr. Costa Matos — um dos seis estabelecimentos de ensino que compõe o agrupamento – está pintada no chão, agora transformado num “twister” à escala real. Alunos e outros professores que quiseram associar-se, reconhecem a sua importância.
Carolina foi uma das que quis pôr mãos à obra. No chão cinzento fez nascer, com ajuda de outros alunos, uma espécie de arco-íris. Azul, vermelho, amarelo e verde compõem um tabuleiro gigante onde o último jogador a ficar de pé é o grande vencedor. Explica que a grande vitória será a da conquista de alguma liberdade dos ecrãs.
“Vejo muitos meninos no recreio com o telemóvel. E, em vez de estarem no telemóvel, podiam estar a jogar e criar amizades com outros meninos de outras turmas”, afirmou Carolina Machado, que frequenta ainda o 5º. Ano de escolaridade.
João, companheiro de turma de Carolina, também não tem dúvidas: os jogos tradicionais podem ser “divertidos” e “tão viciantes como os telemóveis”.
Apesar de confessar que não vai deixar de usar o telemóvel, João acredita que as horas que dispensa à frente do ecrã vão diminuir “um bocadinho”, e espera que o mesmo possa acontecer com outros colegas.
Na sede do agrupamento, onde só há alunos entre os 10 e os 15 anos, a expressão do problema ainda não é a realidade assustadora de muitas secundárias, mas uma preocupação.
“Todos os dias, quando entrava na escola, dava conta que as crianças estavam ao telemóvel. E essa preocupação levou-me, no âmbito do meu estágio, a pensar uma intervenção multidisciplinar – envolvendo docentes de Cidadania e Educação Visual e Tecnológica — para reduzir o uso do telemóvel. A ideia que surgiu foi a de criar jogos lúdicos no exterior para motivar os alunos a abandonar o ecrã”, explicou o Docente de educação Física e mentor do projeto Diogo Francisco.
Pensados para estimular e desenvolver competências emocionais, cognitivas, sociais e motoras, e combater os malefícios do uso excessivo do telemóvel, as atividades propostas incluem jogos tradicionais como o jogo do Galo – que vai ser pintado por todos os bancos localizados no recinto escolar -, ou da Glória, que nesta versão tem os alunos como peões e tarefas motoras a cada estação.
A participação dos alunos – inicialmente chamados a testar a ideia antes da sua aplicação – foi muito positiva, diz o docente que espera que esta iniciativa sirva também de alerta para os impactos negativos no bem-estar físico e mental de crianças e jovens, no seu desempenho académico.
O risco do ‘cyberbullying’, muitas vezes alimentado por imagens captadas em recinto escolar, é também, uma preocupação. Filinto Lima diz que o fenómeno não é exclusivo das escolas, mas que não pode ser ignorado.
Salientando que o uso da tecnologia em contexto de sala de aula é positivo, o diretor do agrupamento e também presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), considera que é necessária uma coordenação cada vez maior entre escola e família, e desafia os pais a promover, em casa, ambientes mais livres de tecnologia.
Apesar dos impactos negativos, Filinto Lima rejeita que a proibição do uso do telemóvel em contexto escolar seja feita por despacho, defendendo que a mesma deve ter em conta a realidade socioeducativa de cada agrupamento.
Uma posição partilhada pelo Conselho das Escolas, num parecer divulgado em outubro de 2023, onde considera que solução não passa por proibir e defende que devem ser os próprios agrupamentos a decidir.
Uma escola de Lourosa, em Santa Maria da Feira, foi a primeira do país a proibir o uso de telemóveis em todo o recinto, há sete anos. Desde então, a limitação já se estendeu a outras. Na EB Costa Matos, garante Filinto Lima, a criação de espaços e a dinamização dos recreios será avaliada de forma intercalar, podendo levar a transformação de outros locais para este fim. Por ser tratarem de escolas do 1º. ciclo do ensino básico (1.º, 2.º, 3.º e 4º anos), a iniciativa não está a ser replicada nos restantes estabelecimentos do agrupamento.