O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, Paulo Lona, alertou hoje que se vive “um tempo perigoso para a justiça e para a sua independência” e que o poder político não deve condicionar a actuação independente desta magistratura.
“É fundamental que o poder político [executivo e legislativo] saiba resistir à tentação de aprovar alterações legislativas precipitadas, ao sabor de dois ou três processos mediáticos, que envolvem a classe política, condicionando a actuação independente do Ministério Público (MP) em futuros casos de criminalidade económico-financeira, em especial no combate à corrupção, e violando as recomendações europeias que vinculam Portugal”, disse Paulo Lona ao tomar posse, em Lisboa, como presidente do sindicato.
No seu discurso, aplaudiu que o Governo assuma como prioritário valorizar as carreiras dos magistrados e oficiais de justiça e o combate à corrupção, mas lembrou que esse objectivo exige um MP independente e magistrados autónomos, bem como recursos materiais, humanos e tecnológicos.
“O combate eficaz à corrupção impõe polícias, técnicos e magistrados especializados que possam trabalhar em equipas multidisciplinares. Se o Ministério Público, enquanto titular da acção penal, não dispõe de magistrados em número suficiente e especializados, fica comprometido o assumido combate à corrupção”, advertiu Paulo Lona.
Para o dirigente, “as medidas futuras do novo Ministério da Justiça, mais do que as palavras ou o programa, ditarão se o combate à corrupção é ou não uma prioridade para o executivo”.
O procurador reconheceu ser “inequívoco que alguns processos vieram criar um ambiente de tensão visível entre o sistema de justiça e alguns intervenientes da política” e que “nenhuma instituição num Estado de direito está acima da crítica pública”, mas deixou claro que “as dificuldades comunicacionais, as reais ou supostas falhas do MP e a alegada necessidade de maior escrutínio não podem servir de pretexto para criar barreiras à investigação criminal, nem para colocar em causa a independência do MP como organização e a autonomia interna dos seus magistrados”.
Paulo Lona defendeu ainda que o MP precisa de comunicar à sociedade o que faz não apenas na área penal, mas também na defesa das crianças e jovens, dos adultos com limitações, dos trabalhadores, do ambiente e na protecção dos consumidores, mostrando aos cidadãos a grande relevância do seu papel social e na defesa do interesse público.
“Só pela comunicação se afirma a relevância do papel da justiça na sociedade, por contraposição com os outros poderes, habituados a ocupar o palco mediático e familiarizados com as técnicas próprias da sua utilização. Só pela comunicação se fomenta o respeito pelas instituições judiciais e seus representantes. Preservar e reforçar a imagem do sistema de justiça, na actualidade, implica estar presente no debate público e nos meios de comunicação social”, sublinhou.
Paulo Lona anunciou a “total abertura” da direcção do SMMP para debater e obter consensos, quer com o poder executivo, quer com os outros operadores judiciais, quanto a soluções que permitam um combate mais efectivo à corrupção.
“Linhas vermelhas”
Também mostrou disponibilidade para melhorar o sistema de justiça. “ [Porém, a direcção do SMMP] nunca aceitará reformas que contemplem soluções que comprometam a independência do MP, descaracterizem a sua matriz constitucional e legal ou comprometam a autonomia dos seus magistrados.”
“Estas são linhas vermelhas que para o SMMP sempre terão de ser respeitadas no debate sobre a reforma da justiça”, enfatizou.
Quanto à escolha do futuro procurador-geral da República, ainda este ano, frisou que, “tendo em conta o perfil necessário para o cargo, será natural que a escolha recaia sobre um magistrado do MP que se encontre em exercício de funções, com grande experiência, capacidade de diálogo, capacidade de mobilização e mestria na comunicação interna e externa”.
A posse dos órgãos sociais do SMMP para 2024-2027 decorreu no Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa.