A câmara baixa do Parlamento francês aprovou esta quinta-feira uma lei que proíbe a discriminação contra rastas, tranças, afros e qualquer outro estilo, cor ou textura de cabelo, derrotando os opositores que consideravam o projecto de lei uma importação desnecessária de ideias dos Estados Unidos. O projecto ainda tem de ser aprovado no Senado, de maioria conservadora, onde o seu destino não é claro.
Olivier Serva, deputado negro da ilha francesa de Guadalupe, nas Caraíbas, que elaborou o projecto de lei, afirmou que este ajudaria as vítimas de discriminação, no local de trabalho e fora dele, a fazerem ouvir a sua voz e a ganharem processos em tribunal. “Há muito sofrimento [com base na discriminação com base no cabelo] e temos de o ter em conta”, disse à Reuters.
Serva citou um estudo de 2023 realizado pela marca de champô Dove da Unilever e pelo LinkedIn, segundo o qual duas em cada três mulheres negras nos Estados Unidos mudavam de penteado para uma entrevista de emprego. O estudo indicava ainda que o cabelo das mulheres negras tinha 2,5 vezes mais probabilidades de ser considerado pouco profissional.
A France 24 citava o testemunho da influencer francesa Kenza Bel Kenadil, que sempre usou o cabelo afro natural, e que quando conseguiu o seu primeiro emprego aos 17 anos como recepcionista num hotel ouviu que o seu cabelo era “pouco profissional, sujo e selvagem”. A sua chefe foi muito clara: ou ia a casa mudar de penteado, ou nem valia a pena aparecer para trabalhar.
Kenadil fez uma publicação na sua conta de Instagram sobre o tema do cabelo afro e dos vários meios de o usar e apareceram inúmeros relatos de pessoas que foram sujeitas a questões sobre os seus cabelos, incluindo uma enfermeira a quem foi perguntado se as suas tranças eram limpas.
O projecto de lei visa proibir qualquer discriminação contra a textura ou o corte do cabelo, acrescentando a discriminação por causa do cabelo à legislação anti-discriminação existente. E também protegerá as mulheres louras da discriminação sexista, afirmou Serva.
Nas ruas de Paris, várias mulheres negras disseram à Reuters que estavam satisfeitas com o projecto de lei.
“Acho que é um bom projecto de lei. Uso o meu cabelo natural desde os seis anos, vou fazer 20 anos em breve e acho que o cabelo afro caracteriza realmente uma pessoa”, disse a estudante Didi Makeda.
“Cada pessoa nasce com um determinado tipo de cabelo, por isso concordo plenamente com o que foi feito para penalizar as empresas que se recusam a contratar candidatos devido ao tipo de cabelo que têm”, afirmou a estudante Tracy Kofi.
Nos Estados Unidos, pelo menos 23 estados aprovaram legislação destinada a proteger as pessoas contra a discriminação por causa do cabelo no local de trabalho e nas escolas públicas.
Nem todos apoiam a proposta em França, que se orgulha de uma cultura de universalismo que afirma que todas as pessoas são iguais e que não permite quotas étnicas, nem mesmo a recolha de dados com base na etnia.
Não incluir o termo “racismo” é problemático
Activistas anti-racismo afirmam que o facto de o projecto de lei não incluir o termo “racismo” é problemático, diz a BBC, já que os principais alvos da discriminação em relação ao cabelo são negros e, em especial, mulheres negras.
A antropóloga social Daphne Bedinade disse ao jornal Le Monde que centrar a questão na discriminação pelo cabelo “mascara os problemas das pessoas cujo cabelo as torna alvo de discriminação”.
Fabien Di Filipo, do partido conservador Os Republicanos, usou de ironia na discussão na comissão parlamentar antes do debate em plenário: “Será que amanhã devemos esperar um projecto de lei sobre a discriminação dos carecas, que penso que estão sub-representados nos anúncios de champôs?”
O deputado afirmou que França já proíbe a discriminação com base na aparência, pelo que o projecto de lei é redundante, acrescentando que visa importar uma mentalidade norte-americana para a legislação francesa.