Mais uma vez, sem acordo e sem progressos. Nas negociações de cessar-fogo, que decorrem no Cairo, com a presença de delegações de Israel, Catar e Estados Unidos, nada se avançou para alcançar uma fórmula de suspensão temporária das hostilidades. Quem o adiantou foi uma autoridade do Hamas, depois, de, durante a manhã, o canal de televisão “Al-Qahera News”, afiliado ao Estado egípcio, ter afirmado que houve progresso nas negociações. Também não é inédito que uma fonte próxima das negociações se precipite a emitir sinais de fumo branco, para horas mais tarde se concluir que não há avanços a registar. Pelas suas divergências e exigências, ambas as partes não se entendem desde outubro.
“É difícil conseguir um acordo razoável porque o Hamas quer minimizar o número de reféns que liberta, e Benjamin Netanyahu quer o contrário”, explica ao Expresso Henri J. Barkey, analista turco no Council on Foreign Relations. “Bibi ficaria mal visto internamente se muito poucos reféns fossem libertados. E os reféns existem em quantidade limitada, portanto, o Hamas tem de manter o maior número possível. Além disso, não sabemos quantos ainda estão vivos; há poucos dias, encontraram pelo menos um morto.” O Hamas e a liderança israelita estão “ambos a lutar pelas suas vidas políticas”, conclui o investigador de Relações Internacionais.
“O Hamas deixou claro que não libertará os reféns, exceto se Israel se retirar completamente de Gaza e os palestinianos deslocados em Gaza puderem regressar a casa”, lembra Sean Foley, professor na Universidade do Tennessee Central, nos Estados Unidos, e perito em História do Médio Oriente. “Os líderes israelitas, pelo contrário, disseram que não concordarão com um cessar-fogo até que os reféns sejam libertados. As questões ainda mais complicadas têm sido a política interna em Israel, com o ministro da Segurança Nacional israelita, Ben Gvir, um membro-chave do Governo de Bibi Netanyahu, a escrever hoje, na rede social X, que Netanyahu não terá mandato para governar se não ordenar às Forças de Defesa de Israel que ataquem Rafah.”
A mensagem foi interpretada “como uma ameaça para retirar o apoio do Governo de Bibi, e potencialmente forçar eleições que Netanyahu poderia perder, se um ataque a Rafah não acontecesse”, diz Sean Foley ao Expresso. (No domingo, o jornal “El País” revelou um estudo que mostra que 88% dos judeus israelitas apoiam a guerra, e mais de metade opõem-se à entrada de ajuda humanitária em Gaza enquanto ainda há reféns, defendendo ainda que o Exército use mais a força. Esta posição não é acompanhada de satisfaação em relação à governação de Netanyahu: o povo israelita quer a sua demissão.)
Israel e o Hamas enviaram equipas ao Egito no domingo, após a chegada, no sábado, do diretor da CIA, William Burns. A presença de Burns visava aumentar a pressão dos EUA por um acordo que libertaria os reféns detidos em Gaza e aliviaria a crise humanitária. “Resulta da pressão interna, especialmente por parte dos democratas mais jovens, que estão extremamente preocupados com a perda de vidas, mas há também alguns países aliados que a exercem”, comenta Paul Rogers, investigador de Estudos da Paz. A pressão tem vindo a aumentar nas últimas semanas, e Henri J. Barkey explica que o Presidente norte-americano pode não estar a fazer as melhores escolhas: “Biden está sob muita pressão nos EUA, mas penso que os EUA podem ter errado na linguagem que usaram. Se quiserem pressionar Bibi, têm de apelar ao público israelita. Para o fazer, é preciso enfatizar a cada instante que se critica Israel, mas também dizer-se que o que o Hamas fez foi um crime de guerra e que esconder-se atrás de civis é um crime de guerra.”
No entanto, o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, já tem data marcada para uma invasão terrestre de Rafah. Numa declaração em vídeo nesta segunda-feira, o líder israelita afirmou que a operação em Rafah é essencial para a vitória, apesar de o seu principal aliado, os EUA, já ter insistido que seria um erro e que exige ver um plano credível para proteger os civis. Mais de um milhão de palestinianos deslocados procuraram um refúgio da guerra em Rafah. Israel terá comprado 40 mil tendas para os deslocados que saiam após a evacuação de Rafah, adiantou uma autoridade israelita não identificada, de acordo com a “Sky News”.
Médio Oriente
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Mas será a estratégia de Israel plausível? Sobre esse tema, Sean Foley apresenta uma explicação política, e não militar, porque, defende, é disso que se trata. “A estratégia militar de Israel está ligada às suas estratégias políticas regionais e internacionais”, sustenta. “O Hamas não só sobreviveu, como ainda mantém reféns israelitas. O Governo israelita também enfrenta desafios políticos reais, tanto com os seus parceiros regionais, como, em particular, com os Estados Unidos, o aliado mais próximo de Israel. Nos EUA, um número crescente de cidadãos comuns e os seus líderes, especialmente dentro do Partido Democrata [do Presidente Biden], apelam a um cessar-fogo, e ao Governo para impor condições à assistência militar a Israel.” O ataque à World Central Kitchen teve um impacto “especialmente grande no pensamento da elite em Washington, com vários políticos com forte histórico de apoio a Israel – como a ex-presidente da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi – a assinarem um documento apelando a Biden para suspender as vendas de armas a Israel”, aponta o perito em questões do Médio Oriente. “Este é um ano de eleições presidenciais, e Gaza já se tornou uma questão central em estados-chave como o Michigan, que tem grandes populações árabes e muçulmanas norte-americanas.”
“O Hamas sobreviveu e está confiante de que Israel não o poderá destruir; por isso, é difícil negociar. Netanyahu sabe que, se ceder demasiado, o seu Governo poderá cair, e ele certamente perderá o seu emprego.” É a opinião de Paul Rogers, analista britânico da área de Estudos da Paz, que também centra o debate sobre a estratégia numa ótica política, e não militar. “Não se pode derrotar uma ideia, que é o que o Hamas representa para muitos palestinianos, mesmo depois de toda a destruição e perda de vidas”, argumenta o investigador. Já Henri J. Barkey diz-se “preocupado” com a possibilidade de que “congelar o conflito funcione para salvar Bibi”. Ou seja, arrastar a conclusão da guerra também pode interessar ao primeiro-ministro de Israel: “Enquanto a guerra durar, será difícil livrarem-se dele.”
Guerra Israel-Hamas
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Os palestinianos que tinham ficado deslocados começaram a regressar à cidade de Khan Younis, após a notícia de que milhares de soldados das Forças de Defesa de Israel (FDI) se retiraram daquela localidade no sul de Gaza. Os edifícios da cidade deram lugar aos escombros, após meses de violentos combates entre as FDI e o Hamas e outros grupos palestinianos. Em reportagem, a “Al Jazeera” adiantou que mais de 90% de Khan Younis ficou destruída, com os moradores a admitirem que “não conseguiram reconhecer as ruas onde viveram durante toda a vida”.
Na atualização do número de vítimas, o Ministério da Saúde de Gaza – administrado pelo Hamas – informou, nesta segunda-feira que pelo menos 33.207 palestinianos foram mortos, e 75.933 ficaram feridos, como resultado da ofensiva militar israelita desde 7 de outubro. Israel rebate: os números de vítimas civis, divulgados pelo Hamas, são uma “estratégia”. Avi Hyman, porta-voz do Governo israelita, disse que mais quatro soldados das FDI foram mortos na cidade de Khan Younis, no sul de Gaza, elevando o total de mortes para 604. “Seis meses depois, parece que o Hamas conseguiu partir muitas bússolas morais. Não há equivalência moral entre o Hamas, que ativamente mata civis, e as ações das FDI, que fazem o máximo para evitar vítimas civis. As baixas de civis do Hamas são uma estratégia. Não considerariam os números da Al Qaeda reais, por que o fazem em relação aos números que o Hamas apresenta?” (Mas várias autoridades independentes afirmam que provaram ser amplamente fiáveis os registos apresentados pelo Ministério da Saúde de Gaza. De acordo com a análise das Nações Unidas, os dados iniciais são bastante precisos, com uma discrepância de, no máximo, 10 a 12%. Também a Human Rights Watch já se referiu às estatísticas como “fiáveis”. A secretária de Estado adjunta dos EUA para Assuntos do Oriente, Barbara Leaf, disse a um painel do Congresso em novembro que era “muito possível” que o número de palestinianos mortos desde o início do conflito pudesse ser maior do que o número fornecido pelo Ministério da Saúde em Gaza.)
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Irão e EUA podem, afinal, acertar agulhas?
O ministro dos Negócios Estrangeiros do Irão visitou a capital síria, uma semana depois de um ataque atribuído a Israel ter destruído o consulado de Teerão em Damasco. A ofensiva já fez disparar as tensões regionais, já que Teerão, um importante aliado de Damasco, prometeu vingar o ataque aéreo da última segunda-feira à seção consular da embaixada iraniana, no qual morreram sete membros do Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica (IRGC), incluindo dois generais.
No sábado, os Estados Unidos da América declararam estar em “alerta máximo”, prevendo um ataque iraniano a infraestruturas e bens norte-americanos e israelitas no Médio Oriente, provavelmente na próxima semana. Fontes do Governo de Biden apontam a retaliação como “inevitável”, e os analistas concordam. “O Irão não quer uma guerra de grandes proporções, mas provavelmente está disposto a que o Hezbollah capture mais tropas israelitas no norte de Israel”, vinca Paul Rogers, alertando para o risco de uma “escalada acidental”. Henri J. Barkey também considera que não é o caso de o Irão entrar em guerra com Israel, mas que deverá forçar os EUA a reagir. “O Irão vai perseguir alvos leves israelitas, embaixadas, turistas, instituições judaicas. Podemos lembrar-nos da AMIA [Associação Mutual Israelita Argentina], em Buenos Aires, e do ataque que foi realizado com a ajuda dos seus agentes secundários, entre os quais o Hezbollah… É um jogo perigoso.”
O Irão está numa posição “muito difícil”, segundo Sean Foley. Foi duramente atingido e perdeu uma importante figura militar. Ameaçou dar uma resposta relevante, mas falta-lhe uma estratégia clara de resposta. “Atingir uma instalação diplomática israelita num estado árabe vizinho coloca em risco o seu principal objetivo regional de melhorar as relações com os seus vizinhos árabes. Porém, lançar mísseis contra Israel é arriscado. Pode não funcionar, e é provável que provoque uma retaliação militar muito pesada, tanto por parte dos Estados Unidos, como de Israel. Pode até arriscar uma guerra que o Irão e os seus aliados – como o Hezbollah – têm trabalhado arduamente para evitar desde 7 de outubro. Isso pode explicar as recentes notícias de que Teerão ofereceu um acordo a Washington: abster-se-á de atacar Israel em resposta ao ataque a Israel, se Washington conseguisse garantir um cessar-fogo em Gaza. Isso permitiria a Teerão salvar a face e alcançar um objetivo que tanto Teerão como Washington desejam.”
Guerra Israel-Hamas
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Outras notícias a destacar:
⇒ Um ataque israelita no sul do Líbano matou um comandante do Hezbollah. O Hezbollah e os militares israelitas têm trocado disparos através da fronteira sul do Líbano, aumentando os receios de um conflito regional mais amplo.
⇒ Israel negou o pedido da Turquia para enviar ajuda a Gaza, adiantou o ministro dos Negócios Estrangeiros turco. Hakan Fidan disse que Ancara tomará novas medidas contra Israel, depois da rejeição do pedido.