O regresso de Passos Coelho à esfera pública tem sido interpretado de diferentes formas. Uma das explicações que têm sido avançadas por alguns analistas será a alegada intenção do ex-primeiro-ministro de regressar à liderança do PSD (e da própria direita, incluindo a que vota no Chega) após o eventual fracasso do governo de Montenegro.
Apenas o próprio Pedro Passos Coelho conhecerá as suas motivações para as intervenções públicas que fez nos últimos dias. Mas sejam estas quais forem, o seu regresso à vida pública, com intervenções que têm dado muito que falar, é um facto que não pode ser ignorado.
A verdade é que se o Governo, que em poucos dias desperdiçou o seu fugaz estado de graça, não chegar ao final do ano, Passos Coelho terá provavelmente o caminho aberto para assumir a liderança do PSD.
Ao contrário de Luís Montenegro, Passos tem a capacidade de recuperar uma grande parte do eleitorado que nos últimos anos fugiu para o Chega. E, ao mesmo tempo, poderá estar disponível para um entendimento com o partido de André Ventura, como as suas intervenções recentes têm dado a entender.
De acordo com esta narrativa, Passos Coelho é o líder natural da direita portuguesa e o seu regresso do “exílio” alteraria a relação de forças entre PSD e Chega, servindo de antídoto contra o crescimento do partido de Ventura e, ao mesmo tempo, abrindo-lhe uma (pequena) porta para aceder ao poder. Certo? Talvez sim ou talvez não, porque há três fatores que podem complicar este cálculo.
O primeiro é que, segundo as sondagens, dois terços do eleitorado da AD rejeitam um entendimento com o Chega. Uma boa parte dos eleitores moderados, que nas últimas eleições votaram na AD. passariam para o PS devido ao receio de um acordo com Ventura, tal como se verificou nas eleições que deram a maioria absoluta ao PS, quando Rui Rio não foi claro na recusa de tal entendimento. Provavelmente, a AD e o Chega valem mais separados, em termos eleitorais, do que juntos.
O segundo aspeto é que este Governo ainda pode surpreender pela positiva. O PSD de Montenegro está a ocupar o centro e, se sobreviver, poderá tornar-se o partido charneira da democracia portuguesa, uma posição que durante anos foi ocupada pelo PS. Valerá a pena deitar fora essa posição e correr o risco de regressar à situação de 2015, quando a direita venceu as eleições com 40% dos votos mas não foi capaz de governar?
O terceiro aspeto diz respeito ao próprio Chega, que pode não ter interesse em derrubar o Governo da AD se no horizonte estiver o regresso de Passos como líder do PSD e candidato a funções executivas (como primeiro-ministro e não como Presidente, como gostaria Ventura).
O regresso de Passos poderia representar um travão ao crescimento do Chega e, nesse caso, Ventura ficaria reduzido a um junior partner, obrigado a demonstrar uma espécie de deferência filial para com o seu parceiro sénior. Por outro lado, não é líquido que o Chega possa manter o milhão de votos que obteve nas últimas eleições, porque não é fácil manter o interesse de um eleitorado composto em grande parte por desiludidos da política e por jovens e outras pessoas que não costumam votar. Valerá a pena arriscar?
Face ao exposto, o eventual regresso de Passos Coelho do seu “auto-exílio”, embora possível, não será um passeio no parque.