Fui com muita curiosidade para esta formação e com uma sensação de que algo importante iria acontecer. Sentei-me ao lado de algumas pessoas que não conhecia. E que hoje fazem parte de um grupo de pessoas – e que não são assim tantas – que admiro profundamente. Filipe Santos, hoje Dean da CATÓLICA-LISBON, era o principal formador, nesta primeira formação ISEP em Portugal.
Posso dizer, com segurança, que, se a minha vida havia mudado quando criei a Terra dos Sonhos, em 2007, ela mudou definitivamente com esta formação. E porquê?
Porque percebi que fazia parte de um pequeno, mas muito inspirador grupo de pessoas, que decidiram dedicar a sua vida a aplicar conhecimento e criatividade à resolução de alguns dos problemas mais complexos que a nossa sociedade enfrenta. Seja a nível social, ambiental, cultural, económico, ou de organização e governação de estruturas. E que o faziam com uma paixão e uma entrega, que juntavam à competência de gestão, e a enormes qualidades humanas.
Percebi que também que eu era um empreendedor social – que não sabia até esse momento – e que estava integrado, num sistema vivo de forças que começavam a criar, na sociedade, um novo paradigma económico, mas, mais do que isso, uma nova forma de estar na vida. Senti que pertencia. Que estava apoiado. E quando estamos apoiados, crescemos com mais qualidade e de um modo mais saudável.
E é esta a principal força desta terminologia que hoje aplicamos aos contextos sociais, mas que tem a sua origem na biologia – o Ecossistema. E o que é um ecossistema?
É importante que saibamos explicar os conceitos. Um ecossistema, na sua versão mais simplificada, é um conjunto de relações e conexões de interdependência que se geram entre diferentes agentes de um mesmo contexto, e entre estes e o ambiente que os rodeia, por forma a que se constitua, como resultado desejável destas interações, um sistema estável, equilibrado e autossuficiente, que gere vida e resultados, que não apenas mantenham este sistema sustentado no tempo, como também gerem efeitos positivos em cadeia no ambiente envolvente.
E este conceito é tão válido na biologia, como é na área da sociedade e da sua envolvente – leia-se, Planeta. Pois, da mesma forma que um órgão do corpo humano ou uma célula, dependem do trabalho harmonioso com outros órgãos e células, também uma sociedade equilibrada, justa, resiliente, depende absolutamente da colaboração dos agentes que a compõem.
E Portugal é, nesta matéria, um caso de estudo de como, em relativamente pouco tempo – estamos a falar de cerca de 15 anos – se pode criar, quando as visões e as vontades se alinham, um terreno fértil de criação de valor para a sociedade. Desde que o IES começou, em 2008, a desenhar e a alimentar este ecossistema até aos dias de hoje, houve um salto quântico:
- As iniciativas de inovação social proliferaram por todo o País, em diferentes áreas – da saúde à Educação, do Ambiente à Saúde Mental. E não estamos a falar apenas de novas organizações empreendedoras, e criadas pela sociedade civil automobilizada. Estamos a falar de projetos em organizações pré-existentes – organizações da Economia Social (como é o caso da Santa Casa da Misericórdia, com a Casa do Impacto), empresas, fundações, comunidades locais, escolas e universidades e até autarquias e governo central;
- As fontes de financiamento para estes projetos também se multiplicaram ao longo dos anos – concurso de empreendedorismo, fundos de investimento de diversa natureza, estratégias de responsabilidade social corporativa mais ativas e musculadas, investidores tradicionais que aplicaram as lentes do impacto às suas decisões de portfolio, e a primeira Plataforma governativa, a nível Europeu, exclusivamente dedicada a capacitar e financiar estas iniciativas promovendo, em simultâneo, parcerias com outros agentes económicos – estou a falar do Portugal Inovação Social. Para se ter uma ideia do alcance, esta plataforma pioneira já conta com 1166 candidaturas de projetos e 623 projetos aprovados, tendo sido concedido um financiamento de 90 milhões de euros a 501 entidades empreendedoras, com uma alavancagem financeira de outras entidades (as parcerias para o Impacto) de 824 investidores sociais, num total de 42 milhões de euros. Longe ainda do necessário? Talvez. Mas muito mais longe do cenário existente há 15 anos atrás, onde a lógica da subsidiação era aquela que imperava. E investimento é muito diferente de subsidiação;
- Temos também cadeiras, programas executivos e iniciativas integradas de inovação social e de impacto e sustentabilidade, um pouco por todo o País, em Universidades, mas também em Institutos de Educação Superior, Escolas Secundárias e Básicas e até comunidades de aprendizagem. Tudo contribuindo para mais esclarecimento, mais conhecimento aplicado e mais ferramentas que tornam os processos de resolução de problemas mais eficazes e eficientes;
- Finalmente, e talvez o último de todos os aceleradores deste ecossistema. As empresas, os seus recursos e a sua capacidade de gerar modelos de negócio viáveis, estão a olhar, cada vez mais, para este tema. E não estou a falar apenas da questão da sustentabilidade, entendida como a gestão dos impactos positivos ou negativos do negócio, na sociedade e no Planeta (a matriz ESG e outras semelhantes). Não. Estou a falar da compreensão de que o salto definitivo de paradigma só se pode dar, quando as empresas perceberem e integrarem que existe uma enorme oportunidade em aplicarem aquilo que são os recursos que têm, não apenas em vender os seus produtos ou serviços, mas também em ajudarem a resolver, de forma proativa, os problemas das pessoas e do Planeta. Porque o seu ecossistema, e a sua própria sobrevivência, dependem absolutamente da saúde desses elementos. Sem eles, ou sem o seu bom funcionamento, os lucros podem continuar a existir. Mas durante um tempo limitado. Será sempre uma gestão a prazo. Ao passo que, aplicando as suas forças, como parceiros dos seus clientes, colaboradores, fornecedores e outros stakeholders, à criação das condições para o seu crescimento e prosperidade, as empresas estarão a lançar as sementes que garantem a sua continuidade, a sua saúde e, no fim do dia, a sua relevância.
A inovação social corporativa, em conjunto com uma boa legislação que enquadre este tema, são, no meu entender, as peças finais para termos um ecossistema com a escala que necessitamos.
As ideias fundamentais que quero deixar, são as seguintes:
- Portugal, como acontece em tantas outras áreas, e apesar da sua dimensão e das limitações que todos conhecemos, é um exemplo de criatividade, dinamismo e conhecimento, também na área da Inovação Social. Razão pela qual, aliás, somos estudados por muitos outros países nesta matéria;
- Falta de dimensão – geográfica ou económica – não tem que significar falta de capacidade de escalar o que de muito bom é feito a nível nacional. Mas todos têm que colaborar;
- A saúde de determinado sistema, ou ecossistema, é tão boa quanto a saúde das suas partes. Parece elementar, mas, na prática, é muitas vezes esquecido. Para que este sistema seja próspero, é necessário que isto não possa ser esquecido;
- Finalmente, e talvez a parte mais importante – e algo que muitas vezes, culturalmente, nos falta: é mais importante assumir a nossa responsabilidade no processo, do que culpar outros pela inexistência de condições ideais. Estas não existem em nenhum contexto. O que diferencia uma sociedade, um povo, uma nação, é a sua capacidade de lidar de forma assertiva, determinada e estratégica, com as adversidades do seu contexto.
Hoje dedico a minha vida, a tempo integral, à Inovação Social. Isto não seria possível há 15 anos atrás. Talvez este seja o principal indicador que me guia. E que me alimenta a esperança nesta possibilidade de termos um novo paradigma de economia. Mas sobretudo, de vida.
Oiça aqui os episódios do podcast Ser ou não ser: