“Não me marque nada para quarta-feira à tarde”, pede Eduarda Carvalhais cada vez que vai a uma consulta médica, e justifica: “Não quero perder o andebol.” Até há cerca de dois anos, quando uma amiga a incentivou a experimentar walking handball, nunca tinha praticado qualquer modalidade desportiva. “Fui, gostei imenso e nunca mais deixei de ir porque adoro. Nunca pensei, com 75 anos, que ainda ia jogar andebol”, conta, entusiasmada, ao Expresso.
Foi precisamente em 2022 que o Clube Desportivo Xico Andebol, sediado em Guimarães, decidiu apostar no andebol a passo, depois de uma formação sobre walking football ter despertado curiosidade. “Não trabalhávamos com esta faixa etária e já tínhamos o objetivo de atrair e prestar um serviço à comunidade para estas pessoas, no que concerne à vida ativa para os idosos”, explica o presidente, Mauro Fernandes.
Nesta variante de andebol – que nasceu em 2019 nos Países Baixos – destinada a pessoas com mais de 60 anos, não é permitido correr nem haver contacto físico entre jogadores. Equipas de cinco contra cinco jogam em meio campo e mantém-se a regra de dar três passos com a bola na mão – mas apenas a andar. “Às vezes tenho vontade, quando a bola me foge, de a ir buscar a correr”, confessa Eduarda.
O clube vimaranense foi pioneiro em Portugal, e é ainda o único, a disponibilizar a modalidade. E há um fator “inovador” no projeto: “Não é só um momento de lazer normal, quisemos acrescentar a componente da psicologia, um acompanhamento próximo dos nossos atletas”, destaca Mauro Fernandes. Ao treino físico semanal junta-se uma sessão com um psicólogo para “combater o declínio cognitivo” associado ao envelhecimento.
O objetivo é também o de tentar prevenir ou contrariar situações como isolamento e depressão, o que se enquadra no âmbito do “plano estratégico” do clube, que tem a Agenda 2030 das Nações Unidas entre as referências, particularmente os objetivos de desenvolvimento sustentável focados na promoção da saúde e na redução das desigualdades.
“É uma hora que passa a correr”
O número de atletas na equipa sofre oscilações ao longo do tempo: já chegaram a ser 28, neste momento são 17 – a esmagadora maioria mulheres. A média de idades “está próxima dos 75 anos” e o atleta mais velho a participar tinha 84. Até agora, verificam-se “resultados excelentes”, afirma o presidente do Xico Andebol. “É muito engraçado de se ver. Divertem-se muito, riem-se, comportam-se como quando eram crianças. Alguns são acompanhados por psicólogos ou psiquiatras e há efeitos claros de redução de medicação e de consultas”, aponta.
Eduarda sente que cada treino “é uma hora que passa a correr”. “É uma hora em que se esquece os problemas de saúde, os problemas da vida”, resume a septuagenária. E os exercícios fora do campo “ajudam a exercitar a memória”. “Até o trabalho desses exercícios trago para casa na cabeça, trabalho lá e ainda venho trabalhar para casa as ideias do psicólogo.”
No caso de Maria José Fernandes, “o bichinho do andebol voltou ao de cima”: depois de ter jogado quando ainda era estudante, estava “um bocadinho renitente” mas, por sugestão de uma amiga há “meio ano”, deu uma oportunidade e aos 68 anos recuperou a paixão, a que junta ainda ginásio e caminhadas. “Só mesmo se não puder é que não vou a um treino. Caso contrário vou porque é muito bom, em todos os aspetos: o convívio, o exercício”, salienta. “É pena é ser só uma vez por semana.”
Para Eduarda, que integra a equipa desde o início, a mudança ultrapassa as paredes do pavilhão. “Sinto-me mais comunicativa. Mesmo até a minha família diz: ‘Estás diferente, parece que renovaste dez anos’. Não estou tão fechada para a vida. Sinto-me mesmo muito feliz.”
É este “feedback” transmitido pelos participantes e por quem os acompanha sobre os “benefícios muito grandes” que têm sentido que reforça a motivação do clube em não desistir do projeto, apesar da limitação de recursos, nota Mauro Fernandes. Importa agora “dar visibilidade” ao trabalho desenvolvido, nomeadamente através dos dados recolhidos sobre o desempenho físico e psicológico que comprovam a “evolução”, de forma a que o projeto seja reconhecido e possa ser replicado.
Entre os objetivos está também “tentar introduzir a competição”. “Fazer com que outros clubes aqui perto, para que seja mais fácil, adiram a esta ideia”, indica o responsável. Ambas as atletas esperam que tal aconteça. “Gostava de competir com outras equipas, para podermos desenvolver”, diz Eduarda. “Seria bom se competíssemos com outros grupos. Eu que sou bastante competitiva ia adorar”, corrobora Maria José.