Dez anos após o primeiro (e até agora único) estudo nacional sobre as comunidades ciganas, encomendado pelo Alto Comissariado para as Migrações, vai agora avançar o segundo. Financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT) e coordenado pelo Instituto de Sociologia da Faculdade de Letras do Porto e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia (CIES), do ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, o projeto deve estar concluído em 2026.
Os trabalhos vão iniciar-se em maio, avançou a investigadora Maria Manuela Mendes, da equipa do CIES, à agência Lusa, se não houver contestação ao concurso público. O objetivo é atualizar o diagnóstico e o conhecimento sobre as comunidades ciganas, já que o estudo anterior data de 2014, e “aprofundar o conhecimento histórico sobre a presença das pessoas ciganas em Portugal”.
A notícia surge por ocasião do Dia Internacional das Pessoas Ciganas, que se comemora na segunda-feira. Para a investigadora do CIES-ISCTE, o processo de democratização e consolidação da democracia nestes últimos 50 anos impede que haja um retrocesso nos direitos das pessoas ciganas em Portugal. Porém, aponta “o reaparecimento de populismos mais extremados e de direita, que podem colocar alguns desafios” e frisa que “os populismos mais radicais ou de extremos e de direita normalmente fazem a divisão tradicional entre nós e eles, que podem ser as minorias étnicas, as minorias religiosas, ou até as mulheres”.
Defendendo que todos têm de estar “vigilantes”, Maria Manuela Mendes lembra, que durante o período da pandemia “o populismo cresceu muito”, sobretudo direcionado para a população cigana, acompanhado de “discursos de ódio e de incitamento ao ódio”, em Portugal e na Europa. O anticiganismo, explica, “é uma forma específica de racismo enraizada muito naquela ideologia de superioridade racial e que acaba por retirar características humanas às pessoas ciganas”.
De acordo com a socióloga, este fenómeno está associado a “uma discriminação histórica enraizada nas sociedades”, que “se manifesta em práticas mais violentas”, que podem não ser só físicas, mas verbais, na forma de discursos de incitamento ao ódio, que “acabam por ter efeitos bastante ostracizantes”. E alerta para “uma grande aceitação do anticiganismo na Europa nos últimos tempos”, nomeadamente entre políticos com “posições de destaque”. Em Portugal, o anticiganismo manifesta-se atualmente de “forma muito descarada” e para isso contribuiu a influência do partido Chega, aponta Maria Manuela Mendes.
Segundo a socióloga, o país avançou em relação às pessoas ciganas, mas ainda há muita coisa a fazer, e destaca a “urgência” de acesso à habitação como o problema que “afeta de forma muito significativa” esta comunidade. Recorda um relatório da Agência Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA) que apontava esta população como a mais sujeita a expulsões, despejos e a viver em casas degradadas e sobrelotadas. Mas há outras questões a comprometer a inclusão das pessoas ciganas, como o estudo ou a procura de trabalho e salienta que 75% dos ciganos sentem-se discriminados quando procuram emprego.
O novo estudo pretende fazer uma caracterização da comunidade cigana nacional (continente e ilhas) com base num inquérito à população desta etnia, mas também à população não cigana para analisar as representações que têm relativamente à população cigana. Além, na análise quantitativa, o projeto inclui um trabalho de levantamento etnográfico e exposições e ‘workshops’ participativos.