Cresceram e viveram entre as freguesias de Benfica e de São Domingos de Benfica, onde viva a avó. Hoje chamam-lhe o “planeta Benfica”. Nuno nasceu em 1971 e Ana em 1979. O apelido Markl vem do avô paterno, um luso-austríaco que se instalou em Portugal.
Nuno Markl recorda o processo revolucionário onde “tudo era muito intenso”. Em casa, o pai “zangava-se muito com os amigos por causa da politica” e hoje as pessoas estão a zangar-se outra vez.
Ele estudou no Jardim Infantil Pestalozzi, ela já não teve a mesma “sorte”, foi para a escola pública: “tive professoras que escreviam muito mal português”. Ana chegou ao mundo já quase nos anos 80, a “década de ouro” da Rádio Comercial com o Herman José e o “Rebéubéu Pardais ao Ninho”.
A paixão pela rádio vem de pequena, sempre ao lado do irmão mais velho com quem partilhava quarto. Passavam horas a inventar programas.
Ana era a menina rebelde, gostava de “desafiar os pais”, amigos anarquistas, botas da tropa, cabelo pintado, vegetariana e notivaga. “Era uma introvertida extrovertida”, sublinha. Nuno era mais estilo “nerd”, assim que metia o pé numa discoteca já estava a pensar no regresso a casa.
“Fazer rádio era ótimo. Gostava de estar no meu canto e ali ninguém precisava de ver a minha cara”, explica.
O gosto pela cultura e pelas artes vinha de casa. Filhos de um cartonista de esquerda, militante comunista. “Para mim aquilo eram tudo bonecos e eu quando desenhava misturava o Ramalho Eanes com a Heidi”, conta o filho.
Os pais eram funcionários públicos, não faltava nada mas não viviam à larga. A infância ficou marcada pela morte da avó, “foi a primeira grande perda, levou a que se vendesse muita coisa”. Foi nesta altura, nas idas ao videoclube, que Nuno assumiu o estatuto de irmão mais velho e começou a mostrar à irmã “o que era música e cinema” a sério.
Ana conta que quando ia de férias pedia ao irmão para lhe gravar umas cassetes, as músicas escolhidas causavam espanto: “a minha prima não percebia como podia estar a ouvir Leonard Cohen?”
Hoje, os irmãos olham para os filhos com preocupação. Pelos perigos que chegam pelos telemóveis – “o meu filho viciou-me no Minecraft, mas pior são os reels que devem deixar o cérebro amolgado” – mas também pela política de “ódio” que se instalou no debate público.
Ana conta que no domingo de eleições quando viu os resultados “fiquei assustada, fui dar muitos beijinhos ao meu filho e disse-lhe o que será de nós?”
Nuno e Ana Markl são os convidados do novo episódio do Geração 70. Nesta conversa com Bernardo Ferrão, recordam a infância marcada pela doença e morte da avó, as discussões com o pai – o “dono da televisão” – que não queria que vissem novelas. Esta é uma conversa sobre a juventude marcada por longas emissões de rádio gravadas no quarto e sobre os tempos de hoje, mais “assustadores”: “quando em criança me falavam do fascismo achava que o assunto estava arrumado…”. Ouça aqui a entrevista.