Quando cuidamos do outro na sua fragilidade e atendendo à sua condição de doença ou às suas necessidades de saúde, percebemos que a essência do cuidar não se esgota na técnica. Há também uma componente — central — de atenção ao mais básico do que somos.
Não nego a importância dos algoritmos e dos indicadores, tal como não nego a importância da reorganização do nosso Sistema Nacional de Saúde, para que os cuidados estejam mais acessíveis a todos e para que os serviços sejam mais eficazes em todos os aspetos. No então, será que estamos a caminhar para um Sistema em que o doente está no centro dos cuidados? Ouço apregoar a defesa da criação de clínicas cada vez mais especializadas em patologias específicas e aperfeiçoamento de sistemas de classificação e de algoritmos complexos de circuitos de doentes, mas parece-me também que cada vez mais o doente é visto de forma espartilhada.
Os cuidados deveriam ser efetivamente centrados nas necessidades do doente e da sua família. No entanto, o nosso SNS parece um labirinto em que os caminhos se vão fechando quando os doentes não encaixam nestes algoritmos. Temo que não caminhemos para a prestação de cuidados ao doente realmente holísticos, quando as decisões relativas à organização dos serviços ficam na mão de pessoas que percebem muito de números, mas pouco de pessoas. Existe concomitantemente um cansaço extremo dos profissionais, que leva muitas vezes a que se escudem nestes algoritmos e circuitos, para que se comprometam cada vez menos, não por falta de vontade, mas por receio de que os entraves sejam inultrapassáveis.
Será que temos em conta todas as vertentes dos cuidados dos doentes mais complexos e frágeis — como são os doentes com demência ou os doentes em cuidados paliativos? Não vejo enfermeiros em locais de destaque e de decisão, apesar de serem a coluna vertebral do SNS. E, quando os há, questiono-me: será que a sua voz se faz ouvir? Ou será abafada?
Não será com toda a certeza pela falta de especialização e experiência, tanto na prestação de cuidados como na gestão de serviços. Os enfermeiros trazem para a discussão as reais necessidades dos doentes, tal como têm um vasto conhecimento dos vários cenários do SNS. São, há anos, malabaristas a realizar horários com escassos recursos, tentando sempre que os cuidados não se ressintam.
Precisamos de parar e pensar que cuidados gostaríamos de receber se nos encontrássemos numa situação de fragilidade; precisamos de nos confrontar com os cuidados de que, provavelmente, todos nós, um dia, viremos a precisar. E questionarmo-nos sobre como seria esse percurso se ainda tivéssemos de percorrer um labirinto.
A autora escreve segundo o novo acordo ortográfico