Vivem-se tempos deveras desafiantes para os investigadores de filosofia das ciências. Paulo Castro não foge à regra, na análise da expansão do ser humano que surgiu depois de a grande invasão digital tomar conta do dia-a-dia. Em entrevista ao Futuro do Futuro, o investigador do Centro de Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa aconselha a não renegar as tecnologias e avisa mesmo que “não é boa ideia” pensar que as coisas que acontecem no mundo digital “não são reais ou a sério”. Até porque a expansão do ser humano suplanta os próprios limites da existência: “Há réplicas digitais de pessoas que já morreram. Continuam vivas? Essa é a pergunta”, lembra Paulo Castro.
A questão coloca-se todos os dias, quando um humano inicia conversação com um agente, que é dotado de inteligência artificial, como acontece com um chatbot ou um robô. “Poderei eu tratar mal um robô só porque é um robô, mesmo que atue de forma humana?”, avança o investigador em filosofia das ciências, para depois lembrar que, do ponto de vista ético, as más condutas têm um significado equivalente tanto contra humanos como contra a inteligência artificial.
“A simulação de uma ação não ética é (também) uma ação não ética. É como se eu estivesse a dar um péssimo exemplo”, explica Paulo Castro.
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A questão ética está também patente num som que Paulo Castro trouxe para escuta no podcast Futuro do Futuro. Trata-se de uma das cenas finais do filme “Blade Runner”, em que um autómato em fim de vida descobre uma razão para a existência ao salvar o humano que tinha como adversário.
Os paradoxos gerados pelas tecnologias também levaram Paulo Castro a trazer para este podcast uma imagem gerada por inteligência artificial que tenta ilustrar as contradições produzidas pelas tecnologias quando se pede para ilustrar um ciborgue na terceira idade.
“Os robôs vão mudar a humanidade muito rapidamente. E nós não estamos preparados para esse evento”, refere Paulo Castro.
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As questões éticas atravessam também toda a lógica que fez crescer a Internet e que começou por produzir efeito nos motores de pesquisa, mas depois repercutiram-se com sucesso em múltiplas plataformas que disponibilizam ferramentas e software a troco de dados pessoais que são comercializados para efeitos de publicidade.
“Há uma chantagem aqui: Os serviços tornaram-me tão dependente da tecnologia, que tenho dificuldade libertar-me dela”, responde o investigador.
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Os internautas são também um dos produtos que se encontram disponíveis na Web. A transação faz-se com base na recomendação de perfis de pessoas que se adequam, em cada momento, ao produto que se pretende anunciar. No limite, as pessoas são instigadas a ser sempre as mesmas, pois os anúncios, os produtos ou a informação que lhes é entregue tem por base os histórico de escolhas e preferências.
“Há um risco de ditadura digital. A sociedade está a ser permanentemente recomendada a ser a mesma”, sublinha Paulo Castro. “Nós estamos a ser de alguma maneira manipulados. E em relação a isso, há um direito que eu gostaria de de de exercer, que é o direito a estar errado”, acrescenta o investigador.
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Perante o atual racional económico dos dados, Paulo Castro confirma que os consumidores, de súbito, foram convertidos em matéria-prima dos negócios das grandes plataformas de tecnologias. “Somos “assets” (recursos ou ativos económicos). Não diria escravos porque é uma expressão muito forte, mas somos empregados involuntários das grandes plataformas tecnológicas”, responde.
As tecnologias continuam a sanar pequenas e grandes complexidades nos dias que correm, mas Paulo Castro prefere recomendar alguma ponderação na hora de entregar à nova geração de ferramentas a solução para todos os problemas da humanidade. “Há problemas do foro emocional que não são resolvidos com um algoritmo. Por exemplo, a perda de autoestima, há algum algoritmo para isso?”, conclui o investigador.
Hugo Séneca conversa com mentes brilhantes de diversas áreas sobre o admirável mundo novo que a tecnologia nos reserva. Uma janela aberta para as grandes inovações destes e dos próximos tempos.