A Psicologia Diferencial é um ramo da Psicologia que tenta explicar as razões por que gostamos mais de uns do que de outros e por que há quem goste muito de nós mas também quem nada goste de nós. Nesta gradação, há aqueles que queremos sempre junto de nós, aqueles de quem gostamos e que queremos algumas vezes ter perto, aqueles que toleramos, aqueles que detestamos, mas que suportamos e aqueles que, se pudermos, nunca partilharão trinta metros quadrados connosco. Nesta questão, por estranho que possa parecer, não entra o racismo.
Entram dimensões complexas que fazem com que gostemos de encontrar alguns na rua e outros em casa, que gostemos de partilhar um café com uns e de jantar com outros de quando em vez, que participemos em eventos no trabalho com meia dúzia e que façamos de conta que não vimos um ou outro. O racismo é, ao mesmo tempo, mais simples e muito mais complexo.
É mais simples porque facilita-me as escolhas com base numa ou outra característica de um outro ser humano. Determinado padrão racista diz-me se me devo sentar ou viver ou fazer casa ou trabalhar ao lado de alguém que determinada cartilha aponta como “certo” ou como “errado”. É muito mais complexo (hoje em dia, em que o racismo existe em espírito mas não em letra) porque cria mecanismos invisíveis de segregação – cria tectos salariais mais altos para uns e mais baixos para outros, cria incentivos para uns estudarem e para outros trabalharem mais cedo, leva uns a esforçarem-se mais para aprenderem piano, álgebra, Homero ou Química Analítica, a viajarem mais e a planearem a vida melhor enquanto outros são empurrados para procriarem mais cedo, para aprenderem a compor canos, a lavrar a terra, a assaltar ou a traficar. Como diversos estudos que Tim Harford identifica em A lógica oculta da vida mostraram, o pior do racismo é que depois se autojustifica e justifica muito dos discursos elitistas e populistas. Uns parecem confirmar a predestinação para o sucesso e os outros parecem confirmar a predestinação para o banditismo, a preguiça ou a subserviência.
Exemplos abundam que contrariam esta predestinação. Todos conhecemos uma mão-cheia deles. E, no entanto, todos, em maior ou menor grau, somos preconceituosos (mas não necessariamente racistas). Dirão que alguém alegar que os turcos não são famosos pela diligência laboral, que os povos do sul da Europa só apreciam tainadas com vinho verde ou que os orientais são mais lentos é bem diferente de se assumir explicitamente ordens de ódio que facilmente seriam criminalizáveis. É bem diferente dizer-se que os orientais são mais lentos ou defender que todos os orientais devem morrer à fome. É bem diferente dizer-se que as pessoas reservadas são mais rurais ou dizer-se que todos os rurais devem ficar afastados da participação política. Quando estudamos a economia da desigualdade, ligada ao preconceito também, sabemos que há três dimensões de desigualdade que ofendem a nossa civilização – a desigualdade de dignidade humana (uns cidadãos serem tratados como pessoas e os outros não), a desigualdade de remuneração por esforço equivalente (uns trabalharem as mesmas horas em igualdade de condições e outros receberem mais), e a desigualdade de potencialidade (uns poderem progredir até ao Olimpo e outros ficarem à porta dos paraísos).
Ainda assim, quando em momentos de descompressão ou de estranha honestidade, figuras de referência deixam escapar rótulos e estereótipos que existem nas suas cabeças, temos de reconhecer que vivemos num mundo onde ainda existe um longo caminho para que todos sejam respeitados nas suas diferenças, que todas as diferenças sejam fonte de valor e que todos os seres humanos sejam considerados como gente.