Se está farto de ver os seus sítios favoritos serem invadidos por espanhóis durante as férias da Páscoa, nada melhor do que pagar-lhes na mesma moeda. Que tal invadir um daqueles pequenos paraísos insulares onde eles próprios se refugiam? Fomos a Tenerife fazer o reconhecimento do território, e estamos em posição de confirmar que é o destino ideal para levar a cabo uma operação de infiltração. Leve o cônjuge, os filhos, a sogra, os primos, os amigos, leve até os canários e solte-os lá, afinal, foram estes passaritos que deram o nome ao arquipélago.
Nos guias de viagem – que é o que este texto pretende ser – é comum dizer-se que determinado destino é perfeito para qualquer pessoa. Normalmente, é mentira. Mas neste caso é mesmo verdade. Tenerife tem praia, aventura, natureza, enoturismo. Dá para espreitar para dentro de vulcões, fazer desportos náuticos, observar cetáceos. É uma terra onde se come e bebe muito bem – tem vinhos magníficos. E é também um bom sítio para quem gosta de festa e alegria – Santa Cruz de Tenerife, a capital da ilha, tem uma forte tradição de festejos de Carnaval. A paisagem da ilha é tão diversa – o norte é mais húmido, frio e verdejante, o sul, mais quente, seco e árido – que uma viagem de carro de uma hora em qualquer direção muda, de forma tão dramática, o cenário envolvente que parece que mudámos de país.
A ilha tem dois aeroportos, Tenerife Sul e Tenerife Norte. Quem quiser focar a sua estadia na famosa zona balnear da Costa Adeje – onde acaba de abrir o luxuoso Tivoli La Caleta – e no Parque Nacional do Teide – o grande vulcão que é o ponto mais alto de todo o território espanhol – ficará melhor se viajar para Tenerife Sul. Mas se a sua preferência de paisagem recair sobre zonas verdejantes, como a floresta laurissilva, e sobre arquitetura colonial, que poderá apreciar em Santa Cruz de Tenerife e, sobretudo, em La Laguna, o melhor será desembarcar em Tenerife Norte. Como já deve ter adivinhado, passámos cinco dias em Tenerife e vamos contar-lhe tudo.
Santa Cruz de Tenerife
Já que temos de começar por algum sítio, comecemos pela capital da ilha: Santa Cruz de Tenerife, localizada no nordeste. Aqui vale muito a pena visitar o Parque García Sanabria, um jardim urbano, quase um jardim botânico com árvores, plantas e flores oriundas de diversos pontos do mundo e com placas que dão conta a proveniência de cada espécime. Tem uma enorme fonte, diversos caminhos estreitos por entre as flores, um pequeno lago com rãs, bem como diversos cafés e esplanadas e até uma galeria de arte. É fácil esquecermo-nos do mundo, andando por aqui.
Este parque fica a uma curta caminhada de distância da Plaza de España. Aqui, a grandiosidade dos edifícios, como o Monumento aos Caídos e que celebra os mortos da Guerra Civil Espanhola – os que estavam do lado de Franco, claro –, demonstram bem que estamos na capital. Ao passo que, no resto do território, a arquitetura tem uma inspiração mais colonial, fazendo lembrar algumas cidades da América Latina.
A Plaza de España, localizada junto ao mar, foi construída em 1929, sobre o histórico Castelo de San Cristóbal. Sobreviveram algumas muralhas que podem ser visitadas na galeria subterrânea. Aqui há também uma fonte com um bonito lago artificial desenhado pelos arquitetos suíços Herzog & de Meuron. Se o Parque García Sanabria é o pulmão da cidade, a Plaza de España é o seu coração. É aqui de decorre parte dos desfiles de Carnaval portanto, com grande pena, encontrámo-la cheia de tapumes, divisórias e bancadas, e o largo artificial estava sem água – se não for “carnavaleiro”, evite visitar a cidade nessa altura. Mas é uma zona cheia de animação, lojas, restaurantes e por onde apetece andar sem destino.
Quando tiver fome, não deixe de visitar o restaurante Nielsen. O chef é dinamarquês, chama-se Danny Nielsen, portanto, não vai experimentar a gastronomia canária – para isso, temos outras sugestões –, mas vai encontrar produtos de alta qualidade e confeção excelentes. É uma cozinha vanguardista com toques nórdicos.
Se quiser ficar em Santa Cruz de Tenerife, recomendamos o Iberostar Heritage Grand Mencey Hotel, muito perto do Parque García Sanabria. O hotel fica num bonito edifício histórico e embora os quartos sejam um bocadinho simples para um cinco estrelas, tudo o resto compensa bastante: a arquitetura do edifício, os jardins, o pátio interior, as piscinas e o excelente buffet de pequeno-almoço. A localização também não podia ser melhor. Daqui partimos com facilidade para outro ponto alto da ilha, a uma curta distância de carro.
Parque Rural de Anaga
Para quem adore florestas e percorrer trilhos no meio vegetação este é um destino imbatível. O Parque Rural de Anaga é húmido, fresco e verdejante, fazendo lembrar uma mistura de mata do Buçaco, com as fajãs dos Açores e as levadas madeirenses. Aqui impera a floresta laurissilva e há trilhos mais longos e mais curtos e de dificuldades diversas. Alguns dos percursos mais populares incluem o Trilho de Los Sentidos, o Trilho do Pico del Inglés e o Trilho de Las Vueltas de Taganana. Não conseguimos percorrer nenhum destes caminhos – o que causou grande consternação nesta jornalista, enfim, contingências de viagens com grupos grandes e programas demasiado ambiciosos –, mas, pelo que vimos em pequenas paragens “toca-e-foge”, podemos garantir-lhe que a paisagem é de cortar a respiração. Vale certamente a pena subir até ao miradouro do Pico del Inglés onde poderá ver o complexo montanhoso vulcânico que se prolonga até ao mar, como a lava em tempos escorreu e se prolongou até solidificar, criando este cenário épico.
Aqui está bastante perto de La Laguna, aquela que foi a capital da ilha durante muitos anos, por isso, planeie uma paragem. Antes, vale a pena fazer uma paragem para almoço na Bodega El Lomo, onde poderá experimentar a gastronomia canária, e que é também um ponto de interesse essencial para quem aprecia enoturismo, já que local inclui uma vinha, uma adega, um excelente restaurante e uma loja onde poderá abastecer-se de vinho – não venha de lá sem uma garrafa de Corazón Negro.
Ligue com antecedência e marque uma visita à vinha e à adega, uma prova de vinhos, um almoço, um jantar e até um lanche típico do tempo das vindimas – a tal oportunidade de provar as iguarias da ilha: como o “mojo”, um molho espesso feito com pimenta, alho, azeite, vinagre e ervas, e que serve de acompanhamento às “papas arrugadas”, batatas pequenas cozidas com casca até ficarem macias e enrugadas; e o “gofio”, provavelmente a iguaria mais estranha, e que consiste numa pasta feita com grãos de cereais torrados, como trigo ou milho, e que é usada numa variedade de pratos, desde sopas a sobremesas. Aqui, poderá passar a mão por videiras com 400 anos enquanto Borja de Mesa, o diretor da vinha, lhe conta absolutamente tudo o que há para saber sobre os vinhos das Canárias desde que o primeiro homem aqui espremeu o primeiro bago de uva. Já o restaurante tem a cozinha a cargo do chef Jorge Bosch Barrera – quatro vezes reconhecido pelo Bib Gourmand do Guia Michelin – e promete uma gastronomia típica com produtos locais.
La Laguna
Com forças retemperadas e recheados como perus, está na hora de irmos queimar calorias para San Cristóbal de La Laguna (La Laguna, para os amigos). Esta pequena e charmosa cidade, fundada em 1496, foi a capital da ilha até 1723 e tornou-se Património Mundial da UNESCO em 1999, muito devido à sua arquitetura colonial que mantém o traçado original do século XV e que serviu de modelo para várias cidades coloniais da América Latina. Passeando por La Laguna é possível ver mansões históricas em tons pastel com pórticos de pedra, varandas de madeira e encantadores pátios interiores. Os pobres habitantes locais já estão tão habituados que os turistas deambulem para dentro dos seus jardins interiores que já nem pestanejam – e é de louvar que não tenham começado a cobrar dinheiro por cada fotografia.
Vale a pena visitar a Catedral de San Cristóbal, a única catedral de Tenerife, e subir à torre da Igreja da Conceição, para ter uma vista panorâmica sobre a cidade, mas, acima de tudo, La Laguna é uma cidade por onde apetece deambular ou sentar numa das muitas esplanadas e ver a vida correr.
Garachico
Mais para noroeste, junto à costa, há uma cidadezinha que também merece uma visita: Garachico. O caminho para lá faz-se por entre bananeiras e percursos de lava e, num dia de bom tempo – que são quase todos – o azul do céu e do mar e o verde as encostas fazem um cenário muito bonito. A vila foi, em tempos, o principal porto da ilha. Hoje é o sítio que turistas e locais procuram para banhos de mar uma vez que tem uma área, chamada El Caletón, cheia de piscinas vulcânicas – não, não são de água quente, também foi a nossa primeira pergunta, são piscinas com água do mar. Pode também fazer um passeio junto à costa, percorrendo o longo paredão. Garachico é uma espécie de La Laguna em miniatura, com o seu pequeníssimo, mas encantador centro histórico, com ruas e ruelas, igrejas, edifícios antigos e buganvílias.
Aproveite para almoçar no restaurante El Rebojo, localizado no centro histórico. Um acolhedor restaurante, com pátio interior, e excelentes escolhas de peixe da costa. Aqui, como em todos os outros restaurantes, vinhos das Canárias é o que não falta.
Se quiser passar uns dias aqui, recomendamos-lhe o Hotel Hacienda del Conde, de charme, quase em cima do mar, só para adultos, e que pertence ao exclusivo grupo Small Luxury Hotels of the World. Tem um campo de golfe muito perto e é um verdadeiro refúgio. Apesar de não termos ficado neste hotel, fizemos aqui uma pequena pausa para café, com vista para o mar, e saímos com relutância e apenas depois das preces de um guia visivelmente agastado – Ancor Robaina foi, durante cinco dias, uma espécie de pastor de gatinhos e não só não perdeu ninguém como nos manteve a todos entretidos e bem informados, portanto, se quiser um guia, dificilmente encontrará melhor.
Costa Adeje
Mudemos agora de paragens para sudoeste da ilha. A Costa Adeje é o destino ideal para quem férias só são férias se meter praia. Pois aqui mete praias de areia preta (também as há de areia clara), mete desportos náuticos e mete observação de cetáceos. E estamos em posição de confirmar que, em Fevereiro, a água estava mais quente do que durante os meses de Verão em Cascais. Se quiser passar aqui uns dias de papo para o ar, considere ficar no recém-aberto Tivoli La Caleta. Este resort de cinco estrelas, a 15 minutos de carro do Aeroporto Internacional de Tenerife Sul, dispõe de 284 quartos, incluindo 20 suites, todos com vistas panorâmicas sobre o oceano Atlântico e os exuberantes jardins do hotel. A cozinha é, como não podia deixar de ser, excelente. Para além do soberbo buffet de pequeno-almoço, tivemos oportunidade de experimentar também o buffet de jantar do hotel e foi ótimo. Perfeito para quem viaja com crianças porque, assim, cada um come o que quer e não há motivo para birras. Se tiver em mente uma opção mais intimista, pode escolher um dos três restaurantes com proposta selecionadas pelo chef Olivier da Costa: o Seen Beach Club, o Yakuza e o Guilty.
Perto daqui, um pouco mais para norte, vale a pena visitar Los Gigantes, uma pequena localidade que ganhou o seu nome devido aos penhascos de basalto, com alturas até 800 metros. Para apreciar estas escarpas, nada melhor do que recorrer ao kayak. Aqui poderá também nadar, fazer mergulho ou marcar um passeio de barco para observação de golfinhos e baleias. Foi o que fizemos e tivemos a sorte de ver uma família de roazes-corvineiros, o que proporcionou um fim de tarde perfeito. Entre uma coisa e outra, almoce no Muelle Viejo, um simpático e luminoso restaurante em cima da praia e com excelentes opções de peixe e marisco.
Parque Nacional do Teide
E está na altura de terminarmos este roteiro com um dos pontos altos da ilha – trocadilho não intencional: uma visita ao vulcão Teide, o pico mais alto de Espanha, com 3718 metros de altitude. Se todos os outros sítios por onde passámos não fossem tão bonitos, seria caso para dizer que deixámos o melhor para o fim. É, sem dúvida, a atração mais emblemática da ilha. A paisagem árida e vulcânica, com vegetação esparsa, faz lembrar o Arizona ou talvez a superfície da Lua ou de Marte. Aqui poderá encher as suas redes sociais com as selfies mais incríveis que alguma vez imaginou.
O Parque Nacional do Teide foi declarado Património Mundial da UNESCO em 2007 devido à sua importância geológica e paisagística. Uma das maneiras mais populares de explorar o parque é subindo o teleférico, que leva os visitantes até perto do cume do vulcão. Outra opção é percorrer os inúmeros trilhos. Devido à sua localização remota e à baixa poluição luminosa, o parque é um excelente local para a observação de estrelas. Se quiser fazê-lo a sério, considere passar lá uma noite. Para tal tem de pedir uma autorização especial e não pode levar tenda, só saco-cama. Garantiram-nos que é extremamente seguro – não há predadores na ilha, só lagartos, canários, coelhos e bichos do género – e que é uma experiência transformadora.
No regresso, à medida que se vai afastando do vulcão, vai começando a ver cada vez mais pinheiros, mas não são pinheiros normais, são pinheiros canários: uma espécie endémica que sobrevive em solos vulcânicos – com as raízes em cima das rochas –, em condições climatéricas adversas e que têm uma resina especial que os torna resistentes ao fogo. A sua madeira é também muito mais forte e densa do que a de um pinheiro comum.
Se tiver fome, a meio caminho entre o Parque Nacional e La Caleta encontrará, aninhado na montanha, um charmoso e relaxante hotel que é o sítio perfeito para almoçar e para se deixar ficar, durante a tarde, a apreciar a paisagem. Chama-se La Vendimia, é o restaurante do Hotel & Spa Villalba, e foi dos sítios mais bonitos e tranquilos onde parámos para comer. Está completamente rodeado de pinheiros e, como o restaurante tem um terraço exterior envidraçado, estamos aqui como se estivessemos no meio da floresta.
E é isto, depois desta viagem ficou muito mais fácil perceber por que razão José Saramago se refugiou em Lanzarote, outra ilha das Canárias. Foi, de resto, com relutância que esta jornalista regressou, mas sendo que não tem livros editados, teve de se render às evidências.
Onde ficar?
Iberostar Heritage Grand Mencey Hotel Morada: Calle Dr. Jose Naveiras, 38, 38004 Santa Cruz de Tenerife Preço por noite: a partir de 120 euros
Hotel Hacienda del Conde Morada: Calle La Finca, s/n, 38480 Buenavista Preço por noite: a partir de 230 euros
Tivoli La Caleta Morada: Calle La Enramada, 9, 38670 Costa Adeje Preço por noite: a partir de 220 euros
Onde comer?
Nielsen Morada: Cjón. del Combate, 9, 38002 Santa Cruz de Tenerife Reservas: +34 616 33 95 18; piliacostanielsen@hotmail.com
La Bodega El Lomo Morada: Carretera El Lomo, 18, 38292 Tegueste Reservas: +34 922 54 52 54; oficina@bodegaellomo.com
El Rebojo Morada: Calle Francisco Martínez de Fuentes, 17, 38450 Garachico Reservas: +34 922 83 11 98
Muelle Viejo Morada: Calle Passaje del Ancla, 1, Alcalá Reservas: +34 922 83 28 54
La Vendimia no Hotel & Spa Villalba Morada: Camino de San Roque, s/n, 38615 Vilaflor Reservas: +34 922 70 99 30