A POSSE DO GOVERNO
- Temos finalmente governo, depois de uma crise longuíssima que começou faz hoje cinco meses. E percebe-se que Luís Montenegro está num mini-estado de graça. Quase tudo lhe tem corrido bem.
- Os ministros “caíram” globalmente bem na opinião pública. Ficaram acima das expectativas.
- Os secretários de Estado são menos conhecidos, mas seguem, no essencial, o padrão dos ministros. São escolhas equilibradas.
- O Governo bateu um recorde de toda a democracia. É o governo que até hoje mais mulheres tem: ligeiramente acima de 40%.
- E até o discurso de posse do primeiro-ministro foi elogiado pelo seu antecessor. O que não é habitual. É globalmente um bom discurso. Talvez excessivo no tom usado em relação à oposição. Mas com uma boa surpresa: o combate à corrupção. Definir como grande prioridade do País o combate à corrupção tem um grande significado. A verdade é que existe uma perceção de que o combate à corrupção é insuficiente e pouco eficaz. É preciso combater esta ideia.
- Posto isto, o importante mesmo é começar a governar. Há cinco meses que o País está parado. Daí a importância do debate do Programa de Governo nesta próxima semana. Mais do que discursos de combate político, o que se esperam são discursos de ação concreta: é preciso falar para as pessoas; e começar a avançar com propostas concretas para os problemas das pessoas. Uma espécie de agenda para os próximos dois meses: na educação, na saúde, na habitação, no PRR, no novo aeroporto, nos jovens, nos reformados, nas forças de segurança.
A REAÇÃO DE PEDRO NUNO
- O líder do PS reagiu ao discurso do primeiro-ministro com duas ideias chave: o PS não será muleta do Governo; e é muito difícil viabilizar o OE. Até aqui tudo normal. Pedro Nuno fez o que lhe competia. Não se lhe pode levar a mal. Se a vida do Governo não é fácil, o caminho do Partido Socialista também é estreito. Cada um está a cumprir o seu papel.
- A questão de fundo, porém, é outra: como viabilizar o próximo OE para garantir estabilidade? Todos têm de fazer um esforço: Governo, PS e Presidente da República.
- O Governo vai ter que fazer um OE que não gere demasiados anticorpos no PS. Um exemplo: a ideia da baixa do IRC deve ser tratada numa lei autónoma e não no OE. Porque é um ponto de conflito sem retorno entre o Governo e o PS. Ora, a busca de estabilidade requer reduzir o nível de conflito.
- O PS também vai ter de aproximar posições. Não lhe interessa aparecer como fator de problema. O caminho a seguir pode ser um de dois: ou negociar o OE com o governo, como já advogou Luísa Salgueiro, a Presidente da ANMP; ou viabilizar politicamente o OE, sem se comprometer com o seu conteúdo, como fez Marcelo no tempo de Guterres.
- Finalmente, o PR. Marcelo tem aqui um importante papel. O papel de, com tempo e discrição, aproximar as partes. Se for uma intervenção em cima da hora, pode ser tarde de mais. Se não tiver discrição, pode gerar ruído. Como diz a Diretora do Negócios, Diana Ramos, é preciso que ninguém perca a face.
GOVERNO SEM ORÇAMENTO?
- Há algumas vozes que dizem que é possível governar sem OE aprovado. Ou seja, governar em regime de duodécimos. A minha resposta é simples: possível é, mas é uma má solução.
- Se o OE para 2025 for chumbado, significa que o OE para 2026, também será. Assim sendo, o país viveria na prática dois anos em regime de duodécimos. Sem orçamento durante 2025 e 2026. Até porque de 9 de setembro de 2025 a 9 de março de 2026, o PR não pode dissolver a AR.
- Ora, viver dois anos sem orçamento é um desastre. Um desastre político para o Governo. Ficava num pântano. Fragilizado e de mãos atadas. E um desastre económico e social. Seis meses em duodécimos aguenta-se. Dois anos, é um pesadelo.
- Vejamos dois exemplos: viver de duodécimos significaria que os funcionários públicos não podiam ter aumentos salariais em 2025. Porque os aumentos salariais representam mais despesa e em duodécimos os limites da despesa são os do ano anterior. O mesmo se diga das autarquias locais. Em regime de duodécimos, não teriam em 2025 qualquer aumento nas suas transferências do OE. Um regime de duodécimos é uma má solução para todos.
- No imediato, a solução para o país não é nem abrir nova crise política, nem marcar novas eleições antecipadas, nem governar em regime de duodécimos. A única solução é aprovar o OE para 2025. As pessoas querem estabilidade. É neste objetivo que todos têm de convergir.
O DESAFIO DOS SALÁRIOS
- Se a viabilização do orçamento é um problema sério, o desafio de fazer crescer os salários é dos mais decisivos. Temos um grande caminho pela frente.
- Primeiro, o peso dos salários no PIB melhorou ligeiramente em 2023 (47%) mas está ainda aquém do objetivo traçado em sede de concertação social (48%);
- Segundo, o salário médio teve um aumento real de 2,3% e fixou-se nos 1,505€, mas é um valor ainda muito pouco estimulante;
- Terceiro, os setores energético e financeiro são aqueles onde se praticam melhores salários, ao invés da restauração, alojamento e agricultura, onde os salários são substancialmente mais baixos: são disparidades demasiado acentuadas.
- Quarto, a melhor das notícias é que a qualificação gera ganhos salariais: os quadros médios e superiores, mais qualificados, ganham duas/três vezes mais que os trabalhadores menos qualificados. A qualificação é uma grande mais-valia.
- Aqui está um dos grandes desafios do novo Governo: investir no crescimento económico; apostar em políticas que aumentem a produtividade; reduzir impostos. São estas as receitas essenciais para ajudar a crescer salários. E fazer crescer salários deve ser um grande propósito económico e social.
O FUTURO DE ANTÓNIO COSTA
- Importa dizer que António Costa, na hora da despedida, foi muito correto: fez uma passagem de funções impecável; e foi especialmente elegante ao elogiar o discurso do seu sucessor. Dir-se-á que cumpriu a sua obrigação. É verdade. Mas também é verdade que, no passado, nem sempre foi assim. Impõe-se, pois, uma saudação.
- Já se sabe que o grande desejo de António Costa é rumar a Bruxelas e ser o próximo Presidente do Conselho Europeu. Se isso acontecer é duplamente vantajoso:
- É bom para o país. Mais um português num alto cargo internacional garante um reforço do prestígio de Portugal.
- É bom para Luís Montenegro. Para um PM de Portugal que chega agora pela primeira vez ao Conselho Europeu, nada melhor do que ter um “aliado” e um interlocutor próximo dentro deste órgão.
- Há, todavia, um obstáculo: o processo de investigação que corre no STJ. Ninguém sabe se esse processo é grave ou não; se tem ou não “pernas para andar”; ou se, ao invés, é uma irrelevância. Mas há algo que é incompreensível: é que António Costa não tenha sido ainda interrogado.
- Faz hoje precisamente cinco meses que a PGR informou o país que António Costa tinha um processo de investigação a correr no STJ. Que cinco meses depois se mantenha a suspeição sem o ex-PM ser ouvido é algo de absolutamente inconcebível.
ELEIÇÕES EUROPEIAS
- Falar de Europa é falar de eleições europeias. Já estão marcadas para 9 de junho. E daqui a vinte dias têm que estar prontas as respetivas listas. Alguns cabeças de lista estão já anunciados:
- Catarina Martins, pelo BE.
- João Oliveira, pelo PCP.
- João Cotrim Figueiredo, pela IL.
- António Tânger Correia, pelo Chega.
- As grandes dúvidas situam-se no PS e no PSD/AD:
- No PS, a única certeza, para já, é que António Costa não será candidato. As dúvidas em relação ao cabeça de lista colocam-se sobretudo entre António Vitorino, Fernando Medina e Ana Catarina Mendes.
- No PSD, a decisão também está prestes a ocorrer. E o nome mais provável é o de Rui Moreira, o independente que é Presidente da Câmara Municipal do Porto.
AS GÉMEAS LUSO-BRASILEIRAS
- O relatório da Inspeção de Saúde esta semana divulgado acaba a concluir tudo quanto já se sabia:
- Primeiro, as crianças tinham mesmo direito a este medicamento. Mesmo sem qualquer cunha. Administrar o medicamento não era, pois, ilegal. Esta é a boa noticia.
- Segundo, as más noticias. Nuno Rebelo de Sousa “meteu uma cunha” ao SE Lacerda Sales. Como já antes se tinha constatado. E o gabinete de Lacerda Sales pediu ao Hospital a marcação da primeira consulta. O que não devia ter acontecido.
- O que falta agora é a conclusão da investigação que está a cargo do MP. É ao MP que caberá explicar se estas falhas são falhas éticas ou se configuram algum ilícito criminal.
- No entretanto, André Ventura quer avançar com uma Comissão de inquérito parlamentar. Tem esse direito. E tem deputados suficientes para o fazer. Mas não devia avançar já. Enquanto decorre uma investigação judicial, não deve avançar-se paralelamente com uma investigação parlamentar. É assim que deve ser. Mas provavelmente não é assim que vai ser. O que também não é drama nenhum. Dramático mesmo, em todo este caso, é a doença das duas crianças.