Especialistas em política energética explicaram à agência Lusa, que a França está a reforçar a aposta na energia nuclear com forma de baixar as emissões poluentes e diminuir a dependência de países “agora inimigos”, como a Rússia.
A França, que possui o maior número de centrais nucleares na Europa (56) e assumiu a liderança de uma Aliança Nuclear Europeia está a investir na construção de novos reatores nucleares, que já são a maior fonte de eletricidade no país. A seguir aos Estados Unidos, é o país com mais centrais nucleares, segundo a empresa de estatísticas Statista. A empresa pública francesa de energia, EDF, refere que os reatores nucleares de diferentes níveis de potência ativos no país têm capacidade produzir cerca de 70% da eletricidade do país.
A França tem reforçado a aposta na energia nuclear como forma de baixar emissões poluentes, mas também de diminuir a dependência de países “agora inimigos”, como a Rússia, disseram à Lusa especialistas franceses.
“A guerra na Ucrânia e a manipulação [do fornecimento] de gás por Vladimir Putin (Presidente russo) sublinhou a dependência que tínhamos de (…) combustíveis proveniente de países que agora são inimigos”, afirmou o especialista em política energética do Instituto Jacques Delors, Phuc-Vinh Nguyen, em entrevista à Lusa.
Para o especialista no Centro para a Energia e Clima do Instituto Francês das Relações Internacionais (Ifri) Thibault Michel, o Governo francês parece ter feito “uma escolha racional” para descarbonizar o país com a utilização da energia nuclear, uma vez que o nuclear já está desenvolvido em França e constitui uma energia com baixas emissões de carbono.
Esta escolha é “uma forma de apoiar a indústria francesa”, disse Michel em entrevista à Lusa, acrescentando que é também “uma forma de desenvolver soberania energética na União Europeia (EU), cuja importância foi demonstrada, por exemplo, pela guerra na Ucrânia”.
Thibault Michel referiu ainda que no caso do nuclear “há dependências de abastecimento: é necessário à França, por exemplo, importar urânio, principalmente do Cazaquistão, do Níger, do Uzbequistão e da Namíbia”, mas “por ser fácil de armazenar, a França tem grandes reservas de urânio”, indicou.
“Esta energia pode ser exportada, o que já acontece porque o país produz mais energia do que consome, coloca o excedente no mercado para ajudar países com o fornecimento de eletricidade de baixo carbono”, referiu Nguyen.
Os benefícios desta energia “dependem dos custos finais dos projetos”, de longo prazo (10 a 20 anos), “que são relativamente difíceis de estimar”, afirmou Michel, referindo que os custos dos materiais podem evoluir muito durante esse período de tempo.
Questionados sobre a Aliança Nuclear Europeia, cuja liderança a França assumiu, os especialistas apoiam a ideia e acreditam que poderá significar um financiamento da energia nuclear.
“A Aliança representa uma verdadeira mudança no que temos visto como países da UE nas últimas décadas, é algo que era inimaginável”, disse Michel, acrescentando que “a formação de uma aliança tão grande foi uma evolução importante, assim como a inclusão pela Comissão Europeia da energia nuclear na legislação sobre descarbonização.
Mas, o especialista alertou que é necessário “ver realizações e conquistas concretas no futuro para avaliar se foi realmente um ponto de viragem ou não” e que as eleições europeias em junho tornam as previsões mais difíceis, porque o desenvolvimento da energia nuclear na Europa depende também dos Estados-Membros e, por conseguinte, de novas cooperações.
Já Nguyen acredita que pode ser uma maneira de financiar o nuclear por “construir um ímpeto para as atuais e próximas negociações”, principalmente na Comissão Europeia.
“Novas formas de financiar são sempre bem-vindas, o que está a acontecer agora com a tentativa de estruturar uma aliança para pequenos reatores modulares será benéfico, já que os nossos adversários são a China, a Rússia e os Estados Unidos”, defendeu, acrescentando que até 2050, o país prevê construir seis novos reatores.
Os especialistas afirmaram ainda que, apesar de toda a relutância em volta da energia nuclear, devido a desastres como Chernobyl ou Fukushima, a questão é aptidão para lidar com questões de segurança.
Atualmente, França tem 56 reatores nucleares e produz 70% da sua eletricidade através de energia nuclear, e para diminuir a dependência de combustíveis fósseis está também a apostar em energias renováveis, indicou Nguyen.
Para ter um sistema elétrico eficiente e flexível, “é necessário desenvolver também as energias renováveis, não havendo necessidade de escolher entre os dois tipos de energia, ambos necessários para uma transição energética”, de acordo com Michel.
“É necessário que o consumo e a produção de eletricidade sejam iguais e como até agora é difícil armazenar eletricidade, uma forma de igualar os valores de consumo é controlar o nível de produção”, acrescentou o especialista do Ifri.
No caso das energias renováveis, como a eólica ou a solar, “são intermitentes e, por isso, o controlo do seu nível de produção é menor”, afirmou, referindo que “por outro lado, as fontes de energia flexíveis são, até à data, os combustíveis fósseis e a energia nuclear e, por conseguinte, a energia nuclear pode trazer flexibilidade ao sistema elétrico sem emitir os gases de efeito de estufa”.
O PASSADO
A França começou a desenvolver energia nuclear em 1945, com a criação da Comissão da Energia Atómica (CEA), para satisfazer a procura crescente de eletricidade de forma independente e a baixo custo, com as primeiras centrais nucleares a entrarem em funcionamento em 1956.
Desde os anos 1970, o país tem vindo a apostar neste tipo de energia para eliminar progressivamente os combustíveis fósseis, por ser uma energia com baixas emissões de carbono, que não emite gases com efeito de estufa que contribuem para o aquecimento global.
Desde 1985, a produção de eletricidade proveniente de energia nuclear em França foi sempre superior a 63% e, atualmente, regista-se um aumento de energias renováveis maioritariamente de origem hidroelétrica e eólica.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, esteve presente na Cimeira sobre Energia Nuclear em março, na qual os 37 países presentes destacaram a importância desta fonte energética e reafirmaram o compromisso para reduzir as emissões de Co2. O país pretende alcançar a neutralidade carbónica até 2050.
O FUTURO
O governo informou que quer construir seis novos reatores até 2050 e desenvolver pequenos reatores modulares (SMR), de baixa potência e com tecnologia de água pressurizada, para descarbonizar a produção de eletricidade.
No âmbito do plano França 2030, a indústria nuclear recebe pelo menos 1,2 mil milhões de euros de financiamento público para desenvolver uma indústria nuclear soberana e sustentável, de acordo com a empresa de energias renováveis ekWateur.
Por ser um tipo de energia com projetos a longo prazo que requerem investimentos elevados, que acabam por dissuadir os investidores privados, a França e os Estados Unidos querem que o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) apoiem os bancos de desenvolvimento no financiamento de projetos de energia nuclear.
A SEGURANÇA
Durante o período de funcionamento das centrais nucleares, os equipamentos são regularmente inspecionados pela EDF e pela Autoridade de Segurança Nuclear para garantir a eficiência e segurança.
Segundo a Comissão das Energias Alternativas e da Energia Atómica francesa (CEA), “as centrais nucleares são concebidas para funcionar durante pelo menos 40 anos”, e os atuais reatores foram colocados em funcionamento entre 1977 e 1999.
Um dos objetivos do governo francês passa por prolongar o tempo de vida “máximo” destes equipamentos.
Em fevereiro de 2023, o Presidente francês, Emmanuel Macron, reuniu com a sua comissão de direção da política nuclear, tendo discutido o lançamento de estudos conducentes à preparação do prolongamento da vida das centrais existentes para 60 e mais anos, em condições estritas de segurança, garantidas pela Autoridade de Segurança Nuclear.
O URÂNIO E A DEPENDÊNCIA DA RÚSSIA
A energia nuclear depende de um combustível fóssil, o urânio, que implica várias fases de preparação, tornando esta uma fonte de energia não renovável.
Em março, a EDF confirmou que não planeia interromper o comércio de urânio com a Rússia, que dispõe atualmente da única instalação capaz de “reciclar” o combustível irradiado.
O contrato prevê o envio do urânio utilizado nas centrais francesas para a central de Seversk, na Sibéria, onde o material é convertido e depois enriquecido para ser reutilizado.