Períodos de chuva intensa receberam o primeiro-ministro Luís Montenegro, na sua visita a Beja no passado dia 30 de Abril onde se deslocou para presidir à inauguração da 40ª Feira do Alentejo – Ovibeja. Nos dias seguintes, as nuvens carregadas de negro foram-se afastando e no sábado, o céu na região de Beja estava limpo e as roupas leves vieram para ficar por força das elevadas temperaturas do ar que já se fazem sentir, e vão continuar a subir nos próximos meses.
A Ovibeja voltou a recuperar um dos seus elementos característicos: o abanico para refrescar os que têm dificuldade em suportar os humores do tempo mediterrânico que “temos de encarar como uma fatalidade, já que nos climas mais húmidos a falta de água não se coloca” lembrou José Núncio presidente da Federação Nacional de Regantes (Fenareg) durante o colóquio realizado sexta-feira sobre um tema que se tornou recorrente: O Desafio da Água para a Agricultura Nacional.
Nunca se debateu tanto a gestão dos recursos hídricos em Portugal, com uns a garantirem que não falta água em Portugal, o que está é mal distribuída, e outros a apelarem à prudência e à racionalização dos consumos, sobretudo na agricultura, onde os volumes em perdas de água continuam elevados. “Muitos dos perímetros de rega que existem em Portugal” foram instalados nos anos 60 e hoje apresentam elevadas perdas de água, denuncia o presidente da Fenareg.
Núncio, que se assume como defensor acérrimo do armazenamento de água, propõe o alteamento de “algumas das nossas barragens entre 50 centímetros e 1 metro” intervenção que se traduziria “num acréscimo entre os 20% e 30% nos volumes armazenados”, salienta para criticar a baixa capacidade que o país apresenta no armazenamento da água que corre na rede hidrográfica nacional. As barragens nacionais retêm apenas 20% dos recursos hídricos que correm na rede hidrográfica nacional.
Com efeito, e de acordo com o Plano Nacional da Água (PNA) de 2015, Portugal dispõe, anualmente, e em média, de 48.000 hm3 de águas superficiais. Deste total, quase 20.000 hm3 (40%) chegam de Espanha através dos rios internacionais (Minho, Lima, Douro, Tejo e Guadiana) a que somam 8000 hm3 de águas subterrâneas, o que perfaz 58.000 hm3.
Dois Alquevas para agricultura, turismo, indústria e consumo urbano
Durante a apresentação do estudo – Avaliação das disponibilidades hídricas actuais e futuras e aplicação do índice de escassez WEI+ – em Dezembro de 2021, o presidente Agência Portuguesa do Ambiente (APA), Pimenta Machado, referiu que Portugal utiliza nos consumos agrícolas, turismo, indústria e abastecimento urbano, “o equivalente a dois Alquevas, ou seja mais de 6000 hm3/ano”.
O PNA de 2015 realça que a média nos diversos consumos em 2014 era de “4500 hm3/ano, quantitativo que, a longo prazo, “poderia atingir, em resultado de diferentes factores, incluindo as alterações climáticas, um máximo de 6000 hm3/ano”. Numa década, os consumos de água em Portugal atingiram este último valor, e neste momento já terá sido superado.
O presidente da Fenareg invoca o elevado índice de armazenamento em Alqueva que no final do último atingiu os 3955 hm³ (95% da sua capacidade máxima de enchimento), para vincar que Portugal não tem falta de água. O que acontece é que não há água suficiente onde ela é mais precisa ou quando ela é mais precisa. E apesar de Alqueva ser uma barragem com capacidade para reter um tal volume de água, o seu sucesso enquanto empreendimento de fins múltiplos pode vir a revelar-se o seu maior problema, ao potenciar constantes solicitações de água em Portugal e Espanha.
Pressão para acesso à água
As pressões no acesso à água de Alqueva têm vindo aumentar desde 2021, forçando o presidente da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), José Pedro Salema, a recorrer à analogia da manta curta, para argumentar como as reservas de Alqueva são finitas. Apesar de realçar a capacidade que a enorme barragem apresenta para recuperar elevados níveis de armazenamento, “apenas uma ou duas semanas pode receber cerca de 1000 hm³. Sempre vivemos com esta irregularidade interanual “, recorda Salema.
José Pedro Salema destaca o que considera ser outro dos grandes problemas que está a condicionar o empreendimento: a componente energética que entrou ao serviço em 2003, com uma potência instalada de 255,8 MW. As bases do contrato de concessão entre a EDIA e o Estado, tinham em vista à gestão, exploração e utilização privativa do domínio público hídrico afecto ao Empreendimento de Fins Múltiplos do Alqueva (EFMA), “para fins de rega e exploração hidroeléctrica”.
A rentabilidade do EFMA sempre esteve associada à capacidade da grande barragem produzir a energia necessária para fazer funcionar as 48 estações elevatórias que suportam o sistema de rega de Alqueva e os múltiplos sistemas de filtragem de água.
Este objectivo sofreu uma profunda alteração desde que o primeiro Governo liderado por José Sócrates decidiu que a EDIA devia subconcessionar à EDP, por ajuste directo, a exploração das centrais hidroeléctricas de Alqueva, por 35 anos.
Uma auditoria do Tribunal de Contas efectuada ao teor do contrato de concessão das centrais hidroeléctricas de Alqueva e Pedrógão à EDP e publicado em 2016, diz que “se trata de um contrato cujas acções prévias demonstram que o interesse público não foi devidamente salvaguardado”.
Um pesada factura de uma decisão de 2007
A EDIA está confrontada com um pesado ónus resultante da decisão governamental tomada em 2007. Só a estação elevatória dos Álamos a mais importante do sistema de captação em Alqueva, obriga ao pagamento de um encargo mensal, à EDP, de 2,2 milhões de euros.
A alternativa está agora na instalação de 9 centrais fotovoltaicas junto das principais estações de bombagem de água que vão obrigar ao um investimento de quase 50 milhões de euros. A EDIA procura atingir um balanço zero (quantidade de electricidade produzida igual ao consumo) até ao final da década, ou seja, 300 gigawatts/hora.
A ministra do Ambiente e Energia Maria da Graça Carvalho, que esteve presente no colóquio da Ovibeja colocada perante os constrangimentos que são patentes na rede nacional de armazenamento de água, deixou expresso um propósito do actual Governo: “É preciso actuar já e temos de nos adaptar à realidade que já se faz sentir: os efeitos das alterações climáticas”, sobretudo “no Algarve e costa alentejana” para onde os dados indicam uma situação crítica.
Enumerando acções marcadas pela urgência, a governante salienta a necessidade de fazer o uso racional da água, reduzindo as perdas nas redes públicas e aumentar o uso da água reciclada. As medidas de fundo apontam para o aumento da capacidade de armazenamento em barragens já existentes e avaliar a instalação de novas barragens e de centrais de dessalinização.
Garantir que não falta água a quem precisa
“É preciso marcar uma diferenciação política em relação aos actos de gestão dos últimos anos”, acentuou Maria da Graça Carvalho destacando como exemplo os “projectos anunciados para o Algarve” para estancar a escassez de água e que não avançaram. A ministra comprometeu-se a “tudo fazer para garantir que não faltará água aos que dela precisam”.
Por sua vez, o Ministro da Agricultura e Pescas, José Manuel Fernandes, reafirmou no mesmo colóquio que o Governo vai investir forte no abastecimento e armazenamento de água, assumindo que não se pode “abrir a torneira aos agricultores para depois fechá-la”.
O ministro salientou que já estão garantidos 816 milhões de euros de fundos europeus para investir no abastecimento e armazenamento da água, destacou a necessidade de executar “456 milhões de euros até 2025 para não se perder um cêntimo de fundos europeus”, observou.
O novo ministro da Agricultura, comprometeu-se a “aliviar” as restrições impostas aos agricultores do Algarve. As reservas hídricas no Algarve registaram alguma folga, folga essa que é muito mais acentuada nas albufeiras públicas do Centro e Norte do país. No final de Abril, as 60 albufeiras públicas nacionais, armazenavam 11.743 hm³ (88%) da sua capacidade máxima que atinge os 13.299 hm³.