O aborto continua na agenda política de muitos países no hemisfério norte e, esta terça-feira, o Parlamento Europeu deu mais um passo para permitir um maior acesso à interrupção voluntária da gravidez (IVG), aprovando uma resolução que pede que o direito ao aborto seja consagrado na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (UE).
O voto não é vinculativo e insta o Conselho Europeu a efetivar a resolução do Parlamento. A decisão foi aprovada com 336 votos a favor, 163 contra e 39 abstenções. Todos os eurodeputados do PS, Bloco de Esquerda e PCP votaram a favor, tal como o independente Francisco Guerreiro (ex-PAN). Já os deputados do PSD e CDS-PP votaram quase todos contra (o social-democrata Ricardo Morgado absteve-se).
No texto da resolução, os eurodeputados condenaram “o retrocesso nos direitos das mulheres e todas as tentativas de restringir ou remover as proteções existentes para a saúde e os direitos sexuais e reprodutivos”. Destacando especificamente as restrições existentes na Polónia e em Malta, os parlamentares também lamentam que “o aborto seja negado por profissionais de saúde, e em alguns casos por instituições médicas, com base numa cláusula de ‘consciência’, em situações em que qualquer atraso pode por em risco a vida e saúde da paciente”.
Em Portugal, têm sido denunciadas irregularidades no acesso ao direito ao aborto. O Diário de Notícias avançou no ano passado que nos Açores, por exemplo, não há qualquer profissional de saúde disponível para realizar procedimentos para IVG.
A eurodeputada Maria Manuel Leitão Marques, do Partido Socialista, foi uma das vozes mais audíveis sobre o assunto, partilhando uma fotografia do seu voto no “Sim”. No debate do dia 14 de março, Leitão Marques recordou que proibir o aborto “não significa que o número de procedimentos diminuirá, apenas que os abortos clandestinos aumentarão em condições sanitárias inseguras”.
Além de criticar as restrições existentes, os eurodeputados pedem ainda que os Estados-membros tomem medidas para fomentar uma maior literacia sobre o aborto e que disponibilizem métodos contracetivos “seguros e gratuitos”. “O aconselhamento de planeamento familiar deve ser disponibilizado, com especial atenção para os grupos mais vulneráveis”, apontam.
A proposta exige também que a Comissão Europeia tome mais medidas para combater grupos anti-aborto e “anti-género”, pedindo o fim da atribuição de fundos públicos, a nível europeu, a organizações e instituições que procurem limitar direitos reprodutivos.
A reivindicação não é nova, mas voltou ao plenário europeu pouco depois de a França ter consagrado na sua constituição o direito ao aborto, no passado dia 4 de março. O timing da resolução também não é indiferente à situação do outro lado do Atlântico, onde vários tribunais e governadores republicanos têm procurado limitar, ou até abolir completamente, a hipótese de uma mulher interromper voluntariamente a gravidez.
Através das redes sociais, foram vários os eurodeputados portugueses (praticamente apenas dos partidos à esquerda) a saudar a aprovação da resolução como um passo importante para os direitos das mulheres europeias.
Margarida Marques, do PS, salientou na rede social X (antigo Twitter) que o voto é uma “importante decisão num momento em que a extrema direita e alguma direita, mesmo em Portugal, põe em causa um direito que foi tão difícil de conquistar”. Do mesmo partido, Isabel Santos aplaudiu a aprovação da moção “pela liberdade e pela defesa dos direitos de todas as mulheres”.
Também do PS, Sara Cerdas sublinhou, no debate do dia 14 de março, que “o direito ao aborto não implica que todas as mulheres devam abortar; pelo contrário, assegura que todas têm o poder de escolha e acesso aos cuidados de saúde necessários – garantindo a plenitude dos seus direitos reprodutivos e sexuais”.
Notícia atualizada às 14h41