Ainda estava escuro como breu quando Sutinah, uma dona de casa indonésia que vive na cidade de Pasuruan, em Java Oriental, se dirigiu a uma esquadra da polícia local numa manhã de Março, na esperança de evitar filas e de tirar partido de um programa governamental que oferece arroz a preços acessíveis. Apesar do tempo seco alimentado pelo El Niño ter provocado uma escassez de arroz e ter feito disparar os preços para valores recorde, a dona de casa de 52 anos ficou chocada ao ver centenas de residentes, que se lembraram de fazer a mesma coisa, a esperar pacientemente na fila.
“Quando chegámos aqui, já estava movimentado e ainda tivemos de fazer fila. Não tínhamos outra escolha porque o preço do arroz no mercado é muito caro”, disse Sutinah, que, como muitos indonésios, usa apenas um nome. A mãe de dois filhos esteve duas horas na fila para comprar dois sacos de arroz de 5 kg pelo preço de 102.000 rupias indonésias (5,97 euros) – uma poupança de cerca de 50.000 rupias (2,92 euros), em comparação com os preços praticados nos supermercados e no mercado.
A Indonésia era auto-suficiente em arroz na década de 1980, antes de muitas terras agrícolas terem sido utilizadas para construir casas para a população em expansão, que actualmente é superior a 270 milhões de pessoas. Apesar disso, mais de 90% das famílias indonésias ainda consomem arroz todos os dias, fornecendo-lhes mais de metade das suas calorias diárias.
O consumo anual de arroz per capita da Indonésia é cerca de 95 kg – muito superior ao consumo médio anual de outros hidratos de carbono, como o milho, a batata-doce, a batata e a mandioca, afirmou Rajendra Aryal, representante da Organização para a Agricultura e Alimentação das Nações Unidas (FAO, sigla em inglês) na Indonésia e em Timor-Leste. A importância deste produto de base para a economia, para a cultura e para a sociedade indonésia é tão grande que a elevada inflação alimentar contribuiu para a queda do presidente Suharto em 1998.
O ano passado foi relativamente quente devido ao El Niño (o fenómeno climático das águas quentes superficiais do Pacífico Leste), e uma estação seca prolongada em partes da Indonésia levou a uma quebra na produção de arroz de cerca de 18%, disse Rajendra Aryal. O extenso arquipélago deverá entrar novamente na estação seca no próximo mês. “Estas condições podem provocar um aumento dos preços do arroz e enfraquecer a capacidade de compra das pessoas, afectando especialmente o segmento mais pobre da sociedade, incluindo os pequenos proprietários”, disse o representante da FAO.
Refeição? Só com arroz
Os indonésios costumam dizer que quem não comeu arroz, ainda está por comer. O cereal não é apenas uma fonte de sustento relativamente barata para a maioria das famílias, também faz parte da identidade cultural do país.
O arroz é parte integrante da história e da cultura indonésias desde a antiguidade e o seu cultivo pode mesmo ser visto no famoso complexo de templos de Borobudur, do século IX, no centro de Java, disse Ika Krishnayanti, responsável pelas relações internacionais do grupo de agricultores Aliança dos Camponeses da Indonésia. “O arroz é um dos produtos agrícolas mais importantes da Indonésia… É um símbolo de cultura e tradição”, disse Ika Krishnayanti à Thomson Reuters Foundation.
Os arrozais são também uma parte distintiva da paisagem da Indonésia, especialmente em regiões populares entre os turistas, como Bali e Java Central, disse ainda Jongsoo Shin, director para a Ásia do Instituto Internacional de Investigação do Arroz. “O aumento dos preços do arroz e a redução da sua disponibilidade podem conduzir à insegurança alimentar, em especial para as famílias com baixos rendimentos. Isto pode gerar fome, ansiedade e frustração, aumentando o risco de agitação social e protestos”, afirmou.
“Os agricultores que sofrem quebras na colheita perdem rendimentos e podem ter de se endividar, o que contribui para as dificuldades económicas e a instabilidade social”, disse Jongsoo Shin, acrescentando que a Indonésia deverá importar até cinco milhões de toneladas de arroz em 2024.
No entanto, uma maior dependência das importações de arroz pode tornar a Indonésia mais vulnerável às flutuações dos preços e às perturbações da cadeia de abastecimento nos países exportadores, afirmou. “A importação de grandes quantidades de arroz pode sobrecarregar o orçamento do Estado e enfraquecer o sector agrícola, que é crucial para o emprego rural e a segurança alimentar”, acrescentou o responsável.
A ajuda da tecnologia
Para combater a escassez de arroz, o Presidente indonésio Joko Widodo convocou no ano passado as forças armadas para ajudar na plantação e subsidiou a distribuição de fertilizantes. Reconhecendo as pressões que a subida do preço do arroz exerce sobre os consumidores e sobre os mais de 15 milhões de famílias que cultivam alimentos, o Governo indonésio começou também a vender arroz com desconto e a dar uma ajuda em dinheiro às famílias mais afectadas.
Romauli Panggabean, economista ambiental para sistemas alimentares sustentáveis do grupo de reflexão do Instituto da Indonésia de Recursos Mundiais, apelou a uma maior diversificação das fontes de hidratos de carbono para ajudar as pessoas a resistirem melhor às flutuações do preço do arroz. A economista referiu que a Agência Nacional de Alimentação do país estava a incentivar a população a consumir outras fontes de hidratos de carbono disponíveis localmente como o milho, a mandioca, a batata, a banana, o sorgo e o sagu.
A distribuição de variedades de sementes de arroz tolerantes à seca aos agricultores das regiões afectadas foi também importante, disse Jongsoo Shin, do Instituto Internacional de Investigação do Arroz. A longo prazo, o governo deverá continuar a investir na melhoria das infra-estruturas de irrigação, incluindo a reabilitação dos canais existentes e a construção de novos canais, para melhorar a gestão da água e reduzir a dependência da chuva, acrescentou.
Os sistemas de alerta precoce para monitorizar as condições meteorológicas e fornecer informações atempadas aos agricultores sobre potenciais secas também permitem tomar medidas preventivas. Esta via deve ser acompanhada pela formação aos agricultores sobre práticas agrícolas tolerantes à seca, técnicas de conservação da água e de armazenamento pós-colheita, afirmou Jongsoo Shin, acrescentando que os regimes de seguro das colheitas e a diversificação das culturas oferecem maior segurança.
A tecnologia é uma parte importante da solução, segundo os analistas, com drones e sensores capazes de monitorizar as culturas, a humidade do solo, as condições meteorológicas e os sistemas de irrigação, e plataformas digitais que permitem aos agricultores partilhar informações e melhores práticas. Por outro lado, as aplicações também podem ajudar os consumidores a encontrar os melhores preços para o arroz.
Em Lamongan, em Java Oriental, uma das regiões produtoras de arroz da Indonésia, a agricultora Salimah, de 70 anos, disse que as condições climatéricas extremas tornaram a vida mais difícil. As secas mais prolongadas obrigaram-na a cultivar mais culturas resistentes ao tempo seco, como o milho e o sésamo, apesar de serem muitas vezes mais caras: “Planto feijão-verde para manter o meu rendimento… A maioria dos agricultores deixa as suas terras vazias porque o tempo está demasiado quente.”