“Ramadão” significa “queimar” e traduz o ato de um crente se libertar dos pecados, comemora-se no nono mês do calendário islâmico e é assinalado pela comunidade muçulmana em todo o mundo, o que equivale a perto de 1,8 mil milhões de pessoas, que, regra geral, jejuam por 30 dias. É mais difícil viver o Ramadão em terras lusas, dizem algumas vozes à frente dos restaurantes, que, em Lisboa e no Porto, dão a provar as cozinhas do Médio Oriente. O jejum é mais prolongado devido ao fuso horário e, longe da família, há menos aconchego e convívio, próprio deste mês sagrado para os muçulmanos.
O Ramadão — mês em que os primeiros versículos do Alcorão foram revelados ao profeta Maomé, há mais de 1400 anos —, começou no dia 11 de março. Durante esse período, o livro sagrado do Islão recomenda que os fiéis deixem de comer, beber, fumar e ter relações sexuais durante o dia. Essa prática é um dos cinco pilares básicos que todo muçulmano saudável deve cumprir.
Iftar é “quebrar o jejum” com convívio e mesa
Os muçulmanos adultos e saudáveis jejuam entre o nascer e o pôr do sol e quebram o jejum com uma refeição tradicional chamada “Iftar” (significa precisamente “quebrar o jejum”), muitas vezes partilhada com familiares e amigos, tornando este momento mais festivo. Nesta ocasião, todos contribuem para a preparação da mesa, muitas vezes ouve-se música ou alguém toca um instrumento. Quem está sozinho aproveita para ligar a familiares e encurta as distâncias, filma o que confecionou e, mesmo virtualmente, acaba por sentir a presença de cada um no Iftar.
Muitos dos Muçulmanos começam por comer as doces tâmaras, fruto que é uma grande fonte de energia, e ajuda a habituar o estômago à comida. Passam, por vezes depois para pratos de arroz, ou para o iogurte, numa tentativa de fazer refeições leves para que não haja um grande choque para o organismo. Este jejum pode variar de 11 a 16 horas por dia e inclui abster-se de comer ou beber e de intimidade sexual até ao pôr do sol. Alguns Muçulmanos evitam mesmo fumar, tomar medicamentos e mascar pastilhas. A refeição que antecede o jejum chama-se “suhur”. A que se segue o “fajr”, a primeira oração do dia.
O Ramadão termina esta terça-feira, 9 de abril, com o Eid al-Fitr, que significa a “Celebração do fim do jejum”. Neste primeiro dia do mês de Shawwal, sugerimos 10 locais em Lisboa e no Porto para celebrar a data.
Território que junta sabres intensos, doces e condimentados
A pretexto deste tema fascinante, (re)descobrimos a cozinha do Médio Oriente, marcada pelas trocas comerciais e invasões de um território localizado na encruzilhada entre Norte da África, Ásia e Europa. Tâmaras, nozes e figos introduzidos aqui pelos invasores, especiarias como cominho, açafrão e alho do Extremo Oriente, da Índia, por exemplo, ou os bolinhos trazidos pelos mongóis, assim como o quiabo, que veio da África, citando apenas alguns exemplos dos muitos ingredientes e sabores intensos, doces e condimentados, que configuram uma grande mistura e temperam esta viagem gastronómica.
Mezze, projeto de sonhos e refeições de família
No Mercado de Arroios, o Mezze continua a ser um projeto social que emprega sobretudo pessoas refugiadas do Médio Oriente. Atualmente recebem muitos formandos do Mezze Escola, curso de restauração para migrantes que criaram em parceria com a Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa. Da equipa do Mezze fazem parte pessoas que viviam situações de instabilidade nos respetivos países. Sonham em voltar a reunir-se à volta da mesa com a família completa e partilhar determinados pratos, muitos confecionados em casa pelas mães, como os “Legumes assados recheados de arroz “Mahashi” ou “Yalanji (Dolma, no Iraque)”, folhas de videira recheadas de arroz e especiarias. No restaurante, além de vários menus para degustar, também é possível escolher à carta, precisamente os “Yalanji “(€4.25), ainda o “Kibbeh” (€5), um bolinho frito de carne de vaca, bulgur e especiarias, ou a “Moussaka” (€11), beringela no forno com tomate. Os membros da equipa estão a viver o Ramadão, e, à noite, quando quebram o jejum, comem naturalmente no restaurante.
Rua Ângela Pinto 40D, Loja 22/23, Mercado de Arroios, Lisboa. Tel. 939806699
Habibi, a casa de uma família síria
O Ramadão é motivo para o restaurante Habibi estar apenas aberto ao jantar até dia 9 de abril, na ocasião do “Iftar”, quando é permitido quebrar o jejum. Inaugurado no final de 2023, serve o que de mais típico existe na cozinha síria como o “Shawarma”, “Kibeh”, “Hummus”, no fundo aqueles que são os clássicos do Médio Oriente e os mais conhecidos do Ocidente. No caso do “Falafel” (€5), os aromas e temperos transportam os comensais diretamente para Damasco. Apresenta-se dourado, crocante e intenso. Já o “Shawarma” (€6) é o cartão de visita da casa liderada por algumas das pessoas que foram acolhidas no Mezze, projeto social de acolhimento de refugiados, entre as quais a mais conhecida é a chef Fátima. No “Habibi”, palavra que significa “meu amado”, também se prepara a “Baklava” a preceito, sobremesa composta por várias camadas de massa filo bem fininha, recheio de pistáchio e regada com xarope de açúcar. Ideal para acompanhar com chá ou café forte.
Rua Cavaleiro de Oliveira, 39 C, Lisboa. Tel. 218131655
Zaytouna, mercearia e petiscaria palestiniana
O Zaytouna abriu em 2018 a mercearia, três anos depois, durante a pandemia pensou em servir comidas. “Era um risco”, mas o desejo de Hindi Mesleh, de origem palestiniana, era mais forte, e achava, juntamente com a sócia, Catarina Morais, que “não podiam perder o espaço no Mercado de Arroios”. Passou a servir petiscos e tem no Falafel o prato mais pedido. Na mercearia vendem-se mais de 80 especiarias, Tahini em quantidades muito grandes, assim como o pão libanês “que é muito bom, muito fininho e não há muitos sítios onde se encontra este pão assim”. Recomenda as tâmaras da Palestina para ajudar a quebrar o jejum do Ramadão. Nesta altura têm muita saída. Na realidade diz: “não me apetece muito celebrar o Ramadão com tudo aquilo que a minha família está a passar no meu país, com o genocídio que está a acontecer em Gaza”. “Não iria colocar posts para família celebrar o Ramadão, teria vergonha, e estou dentro do movimento ativista pro Palestina”. Para além da mercearia em Lisboa, existe uma segunda Zaytona, em Cascais. Da ementa atual, confecionada pelo nepalês, Prakash Tandan, que Mesleh treinou para seguir meticulosamente as receitas da mãe, prove a “Sanduíche de Falafel da Palestina” (€6).
Mercado de Arroios, Loja 19, Lisboa. Tel. 913532222
Sumaya, a mesa libanesa atenta ao paladar português
“O Ramadão é tradição, convívio e comida, o que torna este momento ainda mais significativo para nós no Sumaya”, explica a porta-voz da equipa do restaurante Sumaya. “Durante este mês sagrado, há muita procura pelas especialidades do Médio Oriente e para nós é gratificante poder proporcionar aos nossos clientes uma experiência autêntica e reconfortante para o Iftar”. A principal sugestão, para esta ocasião, é a “Mesa Sumaya”, “uma mesa completa que inclui mezzes frias, mezzes quentes, prato principal e sobremesa” (Hummus – Baba ghanouj -Taboule – Arayiss – Kibbeh – Falafel – Sujouk – Sumaya Grill – Sobremesa Baklava/ €105). “Estamos dedicados a garantir que cada refeição seja mais do que apenas uma experiência gastronómica, mas também um momento de partilha e união”. Para uma proposta menos dispendiosa, escolha no capítulo “Sandes e Grelhados”, incluo espetada de carne, tahini e dois acompanhamentos à escolha (€11). No Príncipe Real, esta mesa libanesa apresenta as receitas tradicionais com alguma atenção aos gostos do Ocidente.
Rua da Escola Politécnica, 40, Lisboa Tel. 213470351
Touta, de Beirute para Lisboa
No Líbano, país situado no cruzamento entre o Oriente e Ocidente, a cozinha é eclética, elaborada sobretudo com base em legumes, cereais, frutas e azeite. Três libaneses, – Cynthia Bitar, Rita Abou Ghazale e Waël El Haddad -, visitaram Lisboa por diversas vezes e decidiram abrir o restaurante Touta, no bairro de Campo de Ourique. “Touta” é o “petit nom” da chef Cynthia Bitar, assim chamada carinhosamente desde criança. Licenciada pela Escola Paul Bocuse, em Lyon, trabalhou durante alguns anos em França e conta com mais de 22 anos de experiência internacional. Já o parceiro de negócio, El Haddad, é proprietário de um clube de música ao vivo, em Beirute, e trata da seleção musical – libanesa – do restaurante. Tem planos para, de futuro, alargar a programação para a atuação ao vivo de artistas da terra natal. O “Hommos Soujouk” (€12) de Touta é uma introdução a esta gastronomia, mas será porventura o prato que nos vai fazer voltar mais vezes a esta casa. No Touta não se altera o receituário, mas confere-se “um toque moderno”. Como prato principal serve-se “Mloukhieh” (€30), peixe do dia, arroz crocante, um complexo dashi e topping de cebola em pickle. Acompanhe com vinho branco frutado, originário do Vale libanês do Bekaa.
Rua Domingos Sequeira, 38. Tel. 960494949
Aheste Lisboa, saborear toda a Turquia
Este restaurante turco situado perto de São Bento, é liderado pela chef Hayriye Yalçin. O Aheste Lisboa serve pequeno-almoço, almoço e jantar. Oferece uma cozinha requintada, disponibiliza menu degustação de 8 a 11 pratos (€40), brunch, turco, claro está), aos sábados e domingos, onde descobrir, entre outros, queijo turcos, “Menemen”, um prato turco tradicional que inclui ovos, tomate, pimentão e especiarias, tais como pimentas preta e vermelha cozidas em azeite, queijo turco feta e charcutaria, Sucuk ou Pastırma. Experimente também o chá e o café turco. A chef desde pequena que celebra o Ramadão que agora vive juntamente com a equipa, mas “não é fácil cumprir porque tem de provar a comida”. Os pratos comuns nas mesas do Ramadão incluem “Pão Ramazan”, “Sopa Pide” (de lentilhas), arroz, Dolmas ou Yalanji (folhas de videira recheadas) e Tandoori de cordeiro, como sobremesa há Güllaç (massa fina em camadas com nozes, romãs e outras frutas). Nas bebidas sugere “Ayran”, muito popular em toda a Turquia, elaborado com iogurte de leite de ovelha, e “Hoşaf”, frutos secos como figos, ameixas e pêssegos, fervidos com água e especiarias. Aberto há poucos meses, o Aheste serve alguns clássicos da cozinha turca e, a pedido, prepara menus especiais para o Ramadão.
Rua da Cruz dos Poiais, 62, Lisboa. Tel. 910431229
Chiveve, um rio de Moçambique que desagua em Lisboa
Sheila Carina de Carvalho Alegy é o nome do registo de Sheila Abreu, agora casada com Edner Abreu. São os proprietários do restaurante Chiveve, que propõe uma viagem gastronómica do Índico a Lisboa, com numerosos pratos moçambicanos como o “Matapa com camarão, mandioca, folha de mandioca e amendoim e coco” (€17,50), ou “Frango à Zambeziana” (€17). De origem muçulmana, Sheila Abreu tem na família a tradição do Ramadão, que tenta celebrar mesmo em Lisboa “apesar de anoitecer muito tarde”. Exige mais sacrifício pela quantidade de horas em jejum. Não tem ninguém que a acompanhe porque o marido e as filhas não se converteram ao islamismo. “Quando toda a família fazia em Moçambique, era mais animado e eu ia mais à Mesquita”. “Este mês é reservado ao jejum para a purificação e renovação da fé dos muçulmanos, em que fechamos o jejum antes do nascer do sol, e abrimos depois do pôr-do-sol”, explica. “A abertura pode sempre ser uma tâmara e um copo de água, ou só água, depois vem a mesa farta, aletria com leite, ou Akni, Biryani, ambos pratos de arroz, um caril, depende do que cada um prefere cozinhar”. De seguida “há quem vá a Mesquita fazer “Namaze” (rezar) que chamamos “Tarawi”.
Rua Andrade Corvo, 5D, Lisboa. Tel. 21803347
Gunpowder, mesa feita de partilha e consolo
Parvez Mahmud (subchef junior), Md Masudur Rahman Roni, Saied Anwar Robin e Junaid khan (copeiros e cozinheiros) celebram o Ramadão. Integram a equipa do restaurante Gunpowder Lisboa, de Harneet Baweja, de origem indiana. Para eles, foram criados os “Ramadan Specials” porque “precisam de energia, a cozinha é um trabalho duro e são muitas horas sem comer”. Estes preparados especiais, que não constam da carta, são os “Date” (bolinhos de caju), os “Lacchi” (batidos), “Biryani” (arroz com frutos secos), “Jalebi” (doce tradicional muito popular nas festas, feito a partir de farinha de grão-de-bico frita), os “Aloo chop” (pastéis de batata), o “Haleem” (um guisado de carne com muita proteína, mas leve) e o “Kheer” parecido ao arroz-doce português”). Por estes dias, o Gunpowder reorganiza-se em função desta tradição religiosa, tal qual como faz no Natal, ou noutras festas importantes para a equipa, e abre apenas ao jantar, para dar mais descanso. Quando o Ramadão terminar, no dia 9 de abril, vão fazer uma refeição grande com estes Especiais e partilhar o “Afghani Mutton Masala”, prato feito com cordeiro velho, com o público em geral. Dentro dos clássicos do Gunpowder prove “Santola em ovo Bhurji” (€11) e “Pregado Kalimirch”(€27), marinado em curcuma, pimenta preta e folhas de caril, ao estilo de Kerala, e grelhado.
Rua Nova Trindade, 13, Lisboa. Tel. 218227470
Sabores do Sebouh, a cozinha sírio-libanesa no Porto
Sebouh Soghmahian é o cozinheiro que há quase 20 anos dá a provar a cozinha sírio-libanesa na emblemática Rua Miguel Bombarda, no Porto. Nascido em Alepo, na Síria, e a viver na Europa desde meados dos anos 90, tem no Falafel, o Kebap (neste caso espetada de carne e não o ocidental) e a Beringela recheada, os pratos de maior sucesso no restaurante Sabores do Sebouh. Algumas receitas são de família como a “Batata Janett”. Célia Soghmahian, a mulher do cozinheiro, explica: “é uma receita da minha sogra, que se chamava Janett” e era confecionada especialmente às sextas-feiras”. “Já, na Páscoa, a minha sogra fazia chamuças de queijo” e peixe frito. São pratos que se encontram na ementa. O casal é cristão, mas é muitas vezes contactado pela comunidade muçulmana porque têm capacidade de resposta e faz menus personalizados para muçulmanos. “Telefonam e perguntam se a comida é halal, e, na realidade, entre os nossos pratos de carne apenas um não é halal” [termo habitualmente usado nos países não islâmicos para se referir aos alimentos autorizados de acordo com a lei islâmica]. Num dos menus que confecionaram para um grupo egípcio de religião muçulmana prepararam “Kebap no forno com ervas” e tiveram um pedido especial, um prato de “Bacalhau com salada tabouleh”. No Sebouh prove uma das sobremesas mais famosas do Médio Oriente, a “Baklava”, neste caso feita na casa.
Rua Miguel Bombarda, 34, Porto. Tel. 933446790