“O crédito ao consumo poderá estar a ser usado para tapar buracos no orçamento. Com a inflação e as prestações mais elevadas do banco possivelmente [os clientes] estão a usar o crédito ao consumo como forma de fazer face a despesas de educação, de saúde e eventualmente até para ajudar a pagar crédito à habitação”, disse à Lusa o economista Sérgio Lagoa, do ISCTE.
Contudo, explicou o professor de economia monetária e financeira, não há um fator único a explicar o crescimento. Também a inflação tem impacto no aumento deste crédito, pois preços mais altos em bens e serviços implicam que consumidores peçam mais crédito, disse.
Além disso, a economia a crescer, perspetivas orçamentais positivas e estabilidade laboral também levam os consumidores a sentirem confiança para pedir crédito para despesas consideradas menos necessárias, como viagens ou carro novo. Do lado dos bancos, as taxas de juro mais altas e o atual incumprimento baixo leva a que proponham mais crédito ao consumo.
Assim, considerou Sérgio Lagoa que, apesar do crescimento, os valores do crédito ao consumo não evidenciam sinais problemáticos, pois o “crescimento do ‘stock’ de crédito ao consumo tem estado a crescer abaixo da inflação e do Produto Interno Bruto nominal” e nos últimos anos tem havido uma redução do endividamento das famílias.
“Não é um crescimento exponencial, resulta das particularidades que as famílias estão a enfrentar”, afirmou o economista.
A professora Ana Cordeiro Santos, da Universidade de Coimbra, relaciona o crescimento com a inflação, mas também admite que se “poderá justificar face ao desequilíbrio que há entre a evolução dos rendimentos e dos preços”.
A investigadora com trabalho sobre os temas da financeirização, do endividamento das famílias e da habitação afirmou que estudos vêm indicando que o crédito ao consumo está mais concentrado em famílias de menor rendimento pelo que para estas significa um risco acrescido pois têm, geralmente, uma situação laboral mais precária.
“É também um crédito de taxas de juro mais elevadas, portanto é um acesso a rendimento com custo muito mais elevado por quem tem menos condições financeiras”, afirmou.
Para a académica, as mudanças de consumo verificadas desde a crise pandémica da covid-19, com mais recurso a compras ‘online’ onde é mais frequente o cartão de crédito, poderão estar a potenciar o crédito ao consumo.
Segundo o economista da associação de defesa do consumidor Deco Nuno Rico, o aumento deste crédito desde meados de 2022 vem acompanhando a subida das taxas de juro que, com o aumento de outros custos de vida, levam ao aperto dos orçamentos familiares.
“As famílias não conseguem ter poupanças ou salário suficiente para despesas não recorrentes, como eletrodomésticos, mobílias, carros, despesas de educação, saúde. Usam crédito para lidar com despesas do orçamento familiar”, afirmou à Lusa.
Também a facilidade de contratação deste crédito (desde crédito pessoal que bancos pré-aprovam e que oferecem no ‘homebanking’ à oferta de crédito em compras na Internet) ajuda ao crescimento do crédito à habitação e faz com que consumidores não ponderem devidamente o seu custo e os riscos que correm, considerou Nuno Rico, que defende que o Banco de Portugal deve reforçar a supervisão para verificar se é devidamente avaliada a solvabilidade dos clientes nestes empréstimos.
Quanto à subida das taxas de juro cobradas no crédito ao consumo, Nuno Rico explicou que está relacionada com o aumento das taxas de juro no mercado e que é também “uma forma de desincentivar o consumidor a aderir”, seguindo o objetivo de política monetária do Banco Central Europeu (de aumentar o custo do dinheiro para abrandar a inflação), mas admitindo que “não é isso que se tem verificado”.
Ainda assim, tanto Nuno Rico como Sérgio Lagoa notaram que o aumento dos juros no crédito ao consumo não tem sido tão grande como no crédito à habitação.
Financiamento está em máximos, mostram dados
O novo crédito ao consumo bateu em 2023 máximos desde o início da série, em 2012, e em fevereiro os bancos tinham emprestado em crédito ao consumo 21.300 milhões de euros, segundo dados do Banco de Portugal.
O ‘stock’ de 23.300 milhões de euros que os bancos tinham emprestados no crédito ao consumo em fevereiro representava mais 0,25% do que em janeiro e mais 3,8% em relação a fevereiro de 2023.
O ‘stock’ refere-se ao crédito novo concedido e ao crédito antigo cujos contratos ainda estão ‘vivos’.
Quanto aos novos créditos aos consumidores, os últimos dados são de janeiro. No primeiro mês do ano, o montante concedido aumentou 9,5% em termos homólogos para 652 milhões de euros.
Deste valor, 237 milhões de euros foi para compra de carros, 288 milhões de euros para outros créditos pessoais (sem finalidade específica), 114 milhões de euros para cartões de crédito, linhas de crédito e facilidades de descoberto e 12,9 milhões de euros para crédito pessoal destinado a educação, saúde, energias renováveis e outras.
Em 2023, os bancos tinham emprestado 7.654 milhões de euros em crédito ao consumo, o valor mais alto desde o início da série (2012).
O crédito ao consumo está regulado incluindo com taxas máximas que as instituições financeiras podem cobrar. A lei estabelece que as taxas máximas equivalem à Taxa Anual de Encargos Efetiva Global (TAEG) média praticada pelas instituições de crédito no trimestre anterior acrescidas de um quarto e que nenhuma pode ultrapassar em 50% a TAEG média.