Num estudo recentemente publicado pela CCP – Confederação do Comércio e Serviços de Portugal, intitulado “O Comércio e Serviços na Competitividade e Internacionalização da Economia Portuguesa”, o Professor Augusto Mateus demonstra com clareza que os fatores chave da promoção da competitividade são, nas condições de produção e concorrência vigentes, crescentemente moldados por ativos intangíveis tais como os que resultam do investimento em cultura, ciência, conhecimento e inovação tecnológica, relativamente à influência que possa ter o investimento em capital físico.
Esta conclusão não retira, porém, importância aos custos do trabalho como fator de competitividade. Apesar da crescente diversificação do nosso padrão de exportações, estas continuam a assentar em grande medida em bens e serviços com forte incorporação do fator trabalho. Para uma grande parte dos setores transacionáveis da nossa economia, continua assim a fazer sentido que a competitividade pelo custo, com particular atenção ao custo total do trabalho, seja o fator decisivo na escolha de fornecedores, de parceiros estratégicos ou de localização do investimento direto estrageiro (IDE).
Como é sabido, os custos totais em trabalho subdividem-se em duas grandes categoriais: os custos salariais diretos e os custos indiretos, de que os custos fiscais constituem de longe a maior parte, sendo ainda de considerar as componentes de natureza não fiscal, tais como benefícios e prestações em género (tickets refeição, refeitórios, serviços de transporte), os custos de formação e os relacionados com a saúde e segurança no trabalho.
A análise da evolução recente da variação homóloga do índice de custo do trabalho (ICT), publicada pelo Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, revela que em 2023 o ICT aumentou 5,3%, devido a acréscimos de 5,0% nos custos salariais e de 6,4% nos outros custos do trabalho. Desde 2020, os custos indiretos têm aumentado mais do que os custos salariais.
Várias publicações ilustram as dificuldades com que a economia portuguesa se depara nas comparações internacionais de competitividade. O IMD (International Institute for Management Development) publica anualmente um índice global de competitividade construído com base numa bateria de indicadores que cobrem o desempenho económico, a eficiência governativa, a eficiência dos mercados e a qualidade das infraestruturas.
De acordo com o ranking de 2023, Portugal ocupa a 39ª posição num conjunto de 64 países, e a 34ª posição no conjunto de 40 países com PIB per capita superior a 20 mil USD. O conjunto de critérios em que Portugal apresenta a melhor classificação relativa inclui os relacionados com o quadro social, a saúde e o ambiente, a educação e as infraestruturas científicas. Entre os critérios em que a classificação é mais baixa, destacam-se pela negativa a política fiscal, em que o país ocupa a 54ª posição, o mercado de trabalho e a qualidade da gestão empresarial, critérios em que o país ocupa a 51ª posição.
Também a evolução dos custos unitários em trabalho revela uma tendência desfavorável à competitividade externa da economia portuguesa. Segundo os dados mais recentes publicados pelo Banco de Portugal representando as taxas de variação homóloga do custo unitário do trabalho (CUT), ou seja, o rácio entre as variações do salário médio e da produtividade para o período entre 2011 e 2022, verifica-se que desde 2016 o CUT em Portugal tem sempre aumentado mais do que a média da zona Euro, à exceção de 2022.
Em face destes comportamentos que, a continuar, podem comprometer o desempenho futuro dos setores de bens e serviços transacionáveis, importa conhecer em que medida o nosso sistema fiscal impacta sobre o custo do trabalho e indiretamente sobre a competitividade e o emprego.
O indicador mais utilizado para este propósito é o chamado hiato fiscal (tax wedge), o qual mede a diferença entre o custo do trabalho para o empregador e a remuneração líquida que o trabalhador recebe. Resulta da soma do imposto sobre o rendimento pessoal com as contribuições sociais pagas pelo empregador e pelo trabalhador, menos as prestações em dinheiro quando as haja, em percentagem do custo total do trabalho para o empregador. Igualmente relevante é o hiato fiscal marginal, o qual mede a parcela do acréscimo do custo total do trabalho que reverte para impostos e contribuições sociais.
A dimensão do hiato fiscal traduz o grau da distorção produzida pelo regime fiscal no funcionamento do mercado de trabalho. Para o empregador, um elevado hiato fiscal condiciona negativamente a sua possibilidade de contratar mais pessoal e pesa sobre os respetivos custos de produção o que pode dificultar a sua posição competitiva nos mercados externos. Funciona como incentivo à fuga das responsabilidades contributivas e fiscais, através da contratação em regime de prestação de serviços ou outros de elevada precaridade (sucessivos contratos de aprendizagem, recurso a plataformas digitais, etc.).
Para o trabalhador, um elevado hiato fiscal desencoraja a procura de trabalho, sobretudo se a margem entre salário líquido e prestações sociais é estreita, o que é frequente nos escalões mais baixos de rendimentos. Um elevado hiato fiscal é considerado pela generalidade dos economistas como um fator explicativo do desemprego estrutural.
A OCDE publica anualmente um relatório sobre os níveis de fiscalidade que recaem sobre o trabalho, com o título de “Taxing Wages”. Com um hiato fiscal médio de 41,9%, a mais de 7 pontos percentuais acima da média, Portugal situava-se em 2022 no quartil superior do conjunto dos países da OCDE. É de salientar o fato de serem as contribuições sociais a cargo do empregador o fator mais importante na determinação deste valor do hiato fiscal, sendo a diferença em relação à média da OCDE claramente mais elevada do que nas outras componentes. À exceção da Eslovénia, todos os países membros da UE que acederam após 2000 revelam hiatos fiscais inferiores ao de Portugal.
A publicação da OCDE dá conta dos valores do hiato fiscal para várias situações familiares e vários níveis de salário do trabalhador. Portugal apresenta para todos os casos valores superiores aos das médias da OCDE e dos 22 países da UE que são membros desta organização. A diferença entre Portugal e os outros países tende a ser maior nas situações de salário mais elevado e nos casos de trabalhadores solteiros com dois filhos.
De acordo com os resultados publicados para o hiato fiscal marginal, se o empregador decidir aumentar o salário bruto do trabalhador em 100 euros, apenas 49 euros revertem para o bolso deste, no caso de se tratar de um trabalhador isolado remunerado ao nível médio.
O hiato fiscal médio em Portugal aumentou rapidamente entre 2010 e 2015, em resultado da introdução da CES em 2011, e do aumento das taxas do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares, mas esta tendência crescente prosseguiu, embora mais lentamente, a partir de 2018, de forma mais pronunciada para o caso do trabalhador casado com filhos.
Em contrapartida, a tendência ao longo das duas últimas décadas, ao nível da OCDE, e dos países da UE membros da OCDE, tem sido no sentido da redução gradual do hiato fiscal sobre o trabalho. Consequentemente, Portugal alterou a sua posição relativamente aos países europeus da OCDE, deixando de ser um país de baixa tributação do trabalho para passar a ser um país de média/elevada tributação.
Que conclusões podemos retirar destes números?
- O hiato fiscal, que mede a diferença entre o que o empregador paga e o que o trabalhador recebe, é mais elevado em Portugal do que na grande maioria dos países com que se compara no contexto da OCDE e da UE.
- Este resultado é transversal a todas as situações familiares e níveis de rendimento, sendo no entanto mais pronunciado no caso de salários elevados e de trabalhadores solteiros com filhos.
- Por cada aumento de 100 euros no salário bruto de um trabalhador isolado com um nível salarial médio, 49 euros revertem para o bolso deste e 51 euros para o fisco.
- Enquanto na maioria dos países da OCDE e da UE, o hiato fiscal tem vindo a diminuir, em Portugal tem vindo a aumentar mesmo depois do período de intervenção da troika, o que poderá ser resultado da política de manutenção dos escalões de IRS em combinação com o nível elevado das taxas marginais.
Uma diferença tão elevada entre o custo do trabalho para o empregador e o rendimento líquido do trabalhador ajuda a explicar não só a evolução desfavorável dos índices de competitividade da economia, como também a escassez da oferta de mão de obra nacional e a forte emigração, em particular de pessoal com níveis de qualificação médios e elevados.