Depois de ter tido uma versão mais detalhada dos deveres éticos a que devem estar sujeitos os juízes, o código de conduta da classe foi reduzido à sua expressão mínima. Dele não consta qualquer referência às restrições à contenção dos magistrados no que diz respeito à liberdade de expressão, em especial nas redes sociais, apesar de serem sobejamente conhecidos casos em que comentários produzidos online obrigaram ao seu afastamento de processos que conduziam ou redundaram mesmo em punições disciplinares.
Dos nove artigos do documento aprovado esta terça-feira pelo Conselho Superior da Magistratura constam, a par de algumas disposições vagas, indicações sobre o recebimento de ofertas. Assim, os juízes não devem receber “quaisquer vantagens, patrimoniais ou não, para si ou para terceiros, em razão do cargo ou funções que desempenham, que não sejam socialmente adequadas”, devendo abster-se de aceitar prendas “de qualquer valor, ou convites para espectáculos ou outros eventos sociais, culturais ou desportivos, que possam condicionar a objectividade, a imparcialidade ou a integridade do exercício das suas funções”.
Além disso, “abstêm-se de participar em actividades extrajudiciais que possam ser consideradas, por uma pessoa razoável, bem informada, objectiva e de boa-fé, como susceptíveis de afectar a confiança dos cidadãos na imparcialidade das suas análises e decisões”.
Uma versão anterior do código de conduta, elaborada há quase quatro anos, mas que acabou por nunca vigorar, também não tinha referências explícitas aos comentários nas redes sociais, mas dizia que os magistrados deviam “exercer com prudência e moderação o direito à sua liberdade de expressão, por forma a preservar a confiança dos cidadãos na independência e imparcialidade do poder judicial”. E condicionava os seus comentários públicos sobre processos judiciais à prévia autorização do Conselho Superior da Magistratura, e apenas em situações nas quais estivesse em causa a defesa da honra do magistrado ou outro interesse legítimo.
Causaram polémica os posts num grupo de magistrados no Facebook que criticavam o ex-primeiro-ministro José Sócrates e outros arguidos da Operação Marquês. Uma juíza que se tinha congratulado com a prisão do ex-governante teve no ano passado de pedir escusa na apreciação de um recurso seu. E o juiz inicialmente encarregado de julgar Rui Pinto teve de fazer o mesmo, depois de ter sido revelado não só que era benfiquista como sobretudo o facto de ter colocado um “gosto” numa publicação nas redes sociais que se referia ao arguido como “Rui pirata Pinto a bisbilhotar”.
Uma publicação do Centro de Estudos Judiciários que elenca as limitações éticas impostas aos juízes em vários pontos do mundo a nível da liberdade de expressão apresenta cenários muito diferenciados que vão até desaconselhar os magistrados de terem contas no Facebook ou no Twitter, como sucede na Escócia.
É verdade que o estatuto dos magistrados judiciais já condiciona de múltiplas forma a conduta dos juízes dentro e também fora dos tribunais, estabelecendo punições disciplinares para aqueles que violarem estas disposições legais. Foi assim que a ex-conselheira do Tribunal Constitucional Clara Sottomayor foi alvo de uma advertência por parte do Conselho Superior da Magistratura depois de ter tecido várias considerações nas redes sociais sobre o caso de Valentina, a menina assassinada pelo pai em Atouguia da Baleia. E o juiz Helder Fráguas, actual estrela do programa televisivo A Sentença, em que desempenha precisamente papel de magistrado, foi afastado compulsivamente da magistratura após comentários particularmente virulentos publicados num blogue da sua autoria.
Mas existem situações em que, sendo criticável, o comportamento do juiz não assume gravidade tal que exija punição disciplinar. Houve quem tivesse defendido que assim era no caso de Clara Sottomayor. Daí o surgimento do código de conduta, que remete a análise deste tipo de ocorrências para um futuro conselho de ética composto por juristas. Este órgão independente não irá punir os infractores, mas sim emitir pareceres e recomendações.
Submetidos a um código deontológico desde 2022, os magistrados do Ministério Público estão obrigados a actuar com independência em relação a interesses de qualquer espécie e em relação às suas convicções políticas, religiosas, filosóficas ou outras. Devem “desempenhar as suas funções com equidistância face aos interesses em presença e respeito pela igualdade dos cidadãos, sem discriminação positiva ou negativa, quer por acção quer por omissão” e “manter uma atitude de cortesia no trato e rigor na informação que prestam aos cidadãos em geral, utilizando uma linguagem, verbal ou escrita, escorreita e compreensível”. Nas suas intervenções públicas, designadamente nas redes sociais, é-lhes aconselhada “uma atitude de rigor, bom senso e ponderação”, tendo restrições idênticas às dos juízes em matéria de ofertas.