O conhecido adágio montenegrino “A vida das pessoas não está melhor mas o país está muito melhor” conduz-nos, em linha recta, ao êxito do cessante Ministro das Finanças de um “histórico excedente orçamental” e, inevitavelmente, à sua capacidade e competência. De que não duvido.
Mas um Ministro capaz e competente para que política? Um tal ministro fará boa uma má política? Permitirá, se for de direita, uma política de esquerda? Ou, pelo contrário, agravará a generalidade dos malefícios de uma política de direita?
Esta é uma questão inultrapassável na abordagem do Ministro das Finanças Fernando Medina! Com uma outra questão articulada: um bom ministro faz bom um mau governo, um governo com opções políticas erradas, isto é prejudiciais ao país e a quem nele vive? Aliás, é possível destacar a avaliação de um ministro dessas opções, das linhas políticas estratégicas que conflituam com os interesses nacionais? É possível separar Medina de António Costa 1.º Ministro? Mas este é sem dúvida um diferendo menor face à questão grossa da possibilidade de separar a avaliação da qualidade da governação do país dos impactos dessa mesma governação na sua população, no presente e no futuro dessa colectividade. O que é isso de uma política/governo bom para o país e mau para o seu povo – a adversativa compensatória de Montenegro? O país pode melhorar quando as pessoas vêem a sua vida piorar?
Fernando Medina tem, inevitavelmente, na continuação de Mário Centeno – que aliás prosseguiu no Banco de Portugal o rumo ministerial anterior, sem arrepio ou ruptura –, um papel-chave, dado ter a chave da tesouraria pública, no desastre da política do Governo PS. Mas desempenhar tal papel não pode absolvê-lo nem condená-lo de forma diferenciada do julgamento político do 1.º Ministro, Governo e maioria parlamentar (absoluta) do PS. São todos solidários no desastre, mesmo que hierarquizemos as responsabilidades!
Não é possível considerar que foi bom para o país a política (inclusive com “habilidades” orçamentais) de contracção do investimento público, pondo em causa a construção de infraestruturas e equipamentos públicos absolutamente necessários para o país (hospitais, ferrovia, lares, creches, …). Delongas operacionais, atrasos burocráticos, cativações, dependência das autorizações/licenças de Bruxelas (uma vergonha sem nome!), etc., etc., tudo serviu para ir reduzindo/contendo os pagamentos a fazer pela tesouraria do Estado, nunca sequer assegurando as verbas previstas nos Orçamentos de Estado (OE). Aliás, as Contas Nacionais agora divulgadas pelo INE vêm desvendar o “milagre” de Medina: 60% do “excedente orçamental” é investimento público inscrito no OE 2023, e não executado! (1)
Não é possível admitir que a gestão da despesa pública tenha coartado a resposta descentralizada e eficiente de direcções e administrações de unidades de saúde (SNS), de escolas, de tribunais, de forças de segurança e outros serviços públicos essenciais, inclusive na intervenção atempada da tutela/Administração Central desses serviços na contratação dos profissionais, aquisição de novos equipamentos, obras de manutenção, etc., assegurando a resposta necessária à procura desses serviços, sem a acumulação brutal de listas de espera e longas filas de atendimento, na acessibilidade razoável e atempada dos utentes.
Não é possível pensar que o enfraquecimento e degradação do aparelho de Estado, que há muito está em curso pela política neoliberal de sucessivos governos do PS, PSD e CDS, e que o Governo de maioria absoluta alegremente prosseguiu, com a “expulsão” de funcionários mais velhos e o não recrutamento de novos quadros, com a liquidação de estruturas essenciais (inclusive unidades de aconselhamento e laboratórios), com o logro de uma descentralização sem pés nem cabeça, com a externalização de funções e serviços, deixando o Estado sem recursos humanos, sem conhecimentos e capacidades técnicas e científicas para avaliar, fiscalizar, contratar, realizar as operações materiais e imateriais necessárias ao desempenho de todas as funções e atribuições imputadas pela Constituição da República e ficando para a sua concretização na mão de interesses privados. Não é possível pensar que as condições profissionais objectivas e subjectivas a que as políticas de direita conduziram os trabalhadores do Estado podem ser o lastro de um serviço público empenhado, criativo, de qualidade. As Contas Nacionais atrás referidas evidenciam também que 2023 foi mais um ano em que o consumo de capital fixo na Administração Pública não foi compensado por correspondente investimento público! (2)
Não é possível aceitar políticas de rendimentos e laborais como as que foram praticadas pelo Governo PS/António Costa, nomeadamente as políticas salariais e de pensões e reformas, e muito em particular a política de vencimentos e carreiras na Função Pública, onde certamente a voz de Fernando Medina foi decisiva, apesar da boa situação da tesouraria pública na arrecadação de receitas. E não deveremos deixar sem referência uma política que continua a permitir, por abusos de posição dominante e abusos de dependência económica, a predação das margens/lucros das MPMES pelos grupos monopolistas e financeiros (3) e a afectar a sua procura pela fragilidade do mercado interno. É pouco dizer que tal política não serve o país e os portugueses, porque é uma política “suicida” desta comunidade humana, quando atira para fora do país «30% dos jovens nascidos em Portugal» e «quase um terço das mulheres em idade fértil». E podemos juntar aqui a política de habitação guiada pelo mercado e a especulação imobiliária. E a política de creches. E….
Não é possível que sejam bons para Portugal e os portugueses os resultados das eleições de 10MAR24, conduzindo a uma maioria de direita, com o reforço significativo do Chega com o seu grupo de dirigentes fascizantes! Mas foi a isso que conduziram as políticas dos governos PS, particularmente a partir de 2019 e da maioria absoluta de 2022, e onde o Ministério das Finanças, com Medina e os que o antecederam (Centeno, Leão), assumiu uma relevante responsabilidade. A barca do Chega navega a onda sísmica da raiva, exasperação, desespero, insatisfação (e também a ignorância) causadas na sociedade portuguesa pelas políticas desastrosas do PS/Costa, cimentadas em quase quatro décadas de opções e políticas de direita do PS/PSD/CDS! Nem o breve interregno 2015-2019 de recuperação de direitos e rendimentos travou/impediu a
permanência de alguns graves atentados ao SNS, Escola Pública, Investimento Público, ou permitiu a reversão completa dos danos, nomeadamente laborais, praticados pela Governo PSD/CDS da troika. E estas consequências políticas da governação do PS/Maioria Absoluta de António Costa, com a participação empenhada de Fernando Medina, não apenas não serviram o país e os portugueses, como são um adivinhado horror para o presente e o futuro de Portugal e dos portugueses. Não é preciso esperar pelo fim do jogo para prever o que aí vem de um governo PSD/CDS/IL com mais ou menos Chega…
A política de “contas certas” do PS de Medina e Costa tem essa extraordinária gravidade. Não golpeia apenas agora, hoje e amanhã a qualidade de vida do portugueses. Com o apoio da sua continuidade garantida pelo Governo AD arrisca e fere o futuro, o médio e o longo prazo, de Portugal, deixando sem resposta a sua sustentabilidade demográfica, os seus desequilíbrios territoriais e sociais, a defesa da sua independência e soberania. E diga-se, Fernando Medina e António Costa nem precisavam de tocar muito na cereja – o seu excepcional “excedente orçamental” – em cima do bolo podre das suas políticas. Bastaria que tivessem optado por outras políticas salarial, social e fiscal na distribuição do rendimento nacional, por outra aplicação dos Fundos Comunitários, inclusive do PRR, por outro combate aos abusos dos monopólios, por outra política face às imposições comunitárias.
(1) O Investimento Público previsto no OE 2023 era de 8 618 milhões de euros (M€). O Governo PS executou 6 743 M€, logo “poupou” 1 875 M€, ou seja, cerca de 60% dos 3 194 M€ de “excedente orçamental”. Tinha sido possível ir mais longe no “excedente”…
(2) O consumo de capital fixo na Administração Pública foi de 7 122 M€ face a um Investimento Público de 6 743 M€, ou seja, tivemos mais um ano em que o investimento público foi inferior à depreciação dos activos fixos em resultado do seu desgaste normal e da sua obsolescência. O que se verifica desde o ano de 2012, o 1.º ano após a chegada da troika ao país, em Junho de 2011. Quando cair uma ponte já sabem a razão…
(3) Em 2023, cinco Bancos (CGD, Santander, Millenium/BCP, BPI e Novo Banco) tiveram um lucro (4 238 M€) equivalente a cerca de 14% do lucro de todas as 516 mil empresas nacionais não financeiras em 2022 (em 2023 os lucros destas deverão ser um pouco maiores)!