Foi no dia 1 de fevereiro de 2023 que Ana Paula Martins assumiu a direção do conselho de administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN), onde se inclui o Hospital de Santa Maria e o Hospital Pulido Valente. Tomava assim posse aquela que foi a primeira pessoa escolhida por Fernando Araújo, enquanto diretor executivo do SNS, para liderar o segundo maior centro hospitalar do país (o primeiro é o de Coimbra).
Ana Paula Martins, farmacêutica e ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (2016-2021), vinha da Gilead Sciences onde era directora para os Assuntos Governamentais da farmacêutica em Portugal. Substituiu Daniel Ferro, que já havia terminado o mandato, e a escolha foi uma surpresa por duas ordens de razão: não tinha qualquer experiência em gestão hospitalar e era militante do PSD, tendo sido vice-presidente durante parte do mandato de Rui Rio.
Mas no final do ano, Ana Paula Martins decide abandonar o cargo. Os meses anteriores tinham sido marcados pela tensão na especialidade de Ginecologia e Obstetrícia no Hospital de Santa Maria, onde a equipa de direção se demitiu e houve um protesto em bloco da equipa de médicos que questionavam o plano das obras da nova maternidade e a sua transferência para o Hospital de São Francisco Xavier, e pelo caso mediático das gémeas brasileiras, que ocorreu durante o mandato do seu antecessor Daniel Ferro.
Só que os motivos para a saída eram outros. Numa entrevista ao Público em janeiro deste ano Ana Paula Martins assumiu ter saído por divergências com Fernando Araújo e com o modelo de Unidades Locais de Saúde entretanto posto em marcha.
“Eu não discordo da aproximação entre os cuidados hospitalares e os cuidados primários, essa articulação é absolutamente determinante. Não discordo do modelo ULS 2.0 para hospitais distritais – em alguns deles parece-me fazer muito sentido. Por exemplo, no Hospital Beatriz Ângelo faz sentido que pudesse haver essa integração da gestão. Esse é o caminho, processos assistenciais integrados com contrato-programa e incentivos para essa articulação. Não discordo do modelo de ULS, discordo do modelo ULS para um hospital universitário”, afirmou.
E explicou porquê. A pedra de toque é, para Ana Paula Martins, o modelo de financiamento. Na sua opinião, um hospital universitário “não pode e não deve ser financiado por capitação [valor de referência por cada utente]”, porque “sem um financiamento significativo para a diferenciação e sem um programa de financiamento para medicamentos inovadores para oncologia e doenças raras, este hospital [falava do Hospital de Santa Maria] não sobrevive financeiramente”.
Ana Paula Martins socorreu-se de um ex-ministro socialista, Adalberto Campos Fernandes, para explicar o modelo que gostaria de ver implementado nos hospitais universitários. “O modelo de desenvolvimento dos centros académicos clínicos, com atividade assistencial, de ensino e investigação de elevada qualidade, com políticas de recursos humanos adaptados a uma realidade clínica e universitária, indicadores de desempenho muito focados na qualidade e diferenciação, com um modelo de financiamento majorado para os centros de referência nacionais e internacionais.”
Acerca da relação com Fernando Araújo, a próxima ministra da Saúde afirmou: “Nunca tive da parte da DE-SNS falta de apoio para nada do que pretendemos fazer. Trabalhámos muito em conjunto.”
A agora ministra, nascida em Bissau em 1965, vai liderar um dos ministérios mais complexos da governação. Herda um SNS com problemas de recursos humanos, nomeadamente na área da medicina geral e familiar, e terá pela frente uma árdua negociação com os médicos que já disseram que querem continuar a discutir aumentos salariais.
E se entrou no SNS pela mão de Fernando Araújo, passa agora para as suas mãos o futuro do diretor-executivo e das reformas que ainda agora arrancaram – a criação das Unidades Locais de Saúde que ditaram o fim das Administrações Regionais de Saúde; as baixas de curta duração; a reorganização das urgências hospitalares gerais e pediátricas, com a criação de Centros de Responsabilidade Integrada; a universalização das USF modelo B e o arranque da tão contestada dedicação plena.
Em dezembro, Ana Paula Martins foi questionada se poderia ser ministra. A resposta foi assertiva: “Nunca aceitarei nada que não me sinta capaz de defender intransigentemente e em que eu assuma completamente a responsabilidade daquilo que me for entregue.” O desafio foi aceite.