O Governo enuncia a intenção de Reformar a Administração Pública, defendendo que é “uma necessidade e uma oportunidade”. E, de entre as linhas de ação, e para além da concentração de estruturas e serviços, refere a vontade de “promover a coordenação e trabalho em rede na Administração Pública”, de criar um “Fórum da Administração Pública, para coordenação, diálogo e trabalho em rede entre os organismos”.
Nesta breve nota, pretendemos sistematizar, no âmbito do quadro geral, um conjunto de três medidas que são, a meu ver, necessárias no âmbito do governo da educação.
Descentralização radical do sistema educativo. Esta territorialização tem dois pilares essenciais: as escolas e o território em que se inscrevem. Ao nível do território, torna-se imperativo reconfigurar o conselho municipal de educação dotando-o de outra composição para assegurar uma efetiva “regulação sociocomunitária da educação” e com competências deliberativas ao nível de um Plano Estratégico Educativo Local. Ou seja, as escolas terão muito a ganhar se se olharem ao espelho de agências de desenvolvimento local e puderem deliberar sobre questões educativas globais com os diversos setores sociais da saúde, do emprego, da segurança social, das forças de segurança, do movimento associativo e desportivo que operam ao nível do território. Esta ação concertada poderia assegurar uma mudança de paradigma: das escolas ao serviço da sociedade, para a sociedade ao serviço das escolas. Esta seria uma forma de afirmação pública do valor da educação, de liberdade e de responsabilidade, de emancipação face aos micropoderes centrais que assumiriam funções relevantes de pilotagem, supletividade e garantia da igualdade de oportunidades de acesso à educação e formação, seguindo o princípio da subsidiariedade.
Neste âmbito, faz ainda sentido incrementar o princípio da liberdade organizacional das escolas, dotando-as da autonomia nos modos de organização e gestão do currículo, dos agrupamentos de alunos, das tecnologias do fazer aprender, segundo uma matriz nacional comum.
Reorganização dos modos de gestão do ensino e das aprendizagens dos alunos. O modelo escolar continua prisioneiro de vários mitos que definitivamente o arruínam. O mito de que é possível ensinar como se todos os alunos fossem um só (legitimando a exposição e a examinação universal). O mito de que a separação do conhecimento em disciplinas, a separação dos alunos em ciclos, anos e em turmas, o ensino graduado [em grades], a separação dos espaços em salas normais e normalizadas, a separação dos professores em grupos disciplinares, as ementas de conhecimento iguais para todos, os mesmos testes, os mesmos exames são os ingredientes de uma massificação (e de uma exclusão) insustentável. É preciso declarar que as escolas se podem organizar segundo outros figurinos (modelos integrados de promoção do sucesso escolar), que os modos de trabalho docente podem escapar à lógica do individualismo e da balcanização através da organização das equipas educativas , demonstrando, deste modo, que uma outra escolarização é possível. A metamorfose organizacional que aqui se preconiza exige a prática de lideranças servidoras comprometidas com as aprendizagens de todos os alunos. Este compromisso (este novo contrato social reclamado pela UNESCO) precisa de vontade local clara (“onde há vontade há caminho”) e de um saber curricular e organizacional que pode gerar a transformação.
Formação na ação dos professores e das lideranças ao nível da direção das escolas e das estruturas de coordenação intermédia. As metamorfoses enunciadas requerem um saber e um poder que têm de implicar uma focalização nas aprendizagens dos alunos concretos, programas de ação flexíveis e personalizados, monitorização das interações, escuta e observação sistemática, desenvolvimento de equipas multidisciplinares. Nesta linha de ação, as lideranças intermédias e de topo assumem uma grande centralidade para convocar, fazer ver, mobilizar, apoiar, reconhecer, gerar sinergias de saberes e poderes, mostrando os caminhos das possibilidades, confiando nas inteligências em interação e na liberdade de criar as soluções para os problemas específicos.
Teremos, certamente, uma educação mais justa e inclusiva se acreditarmos nas pessoas que localmente realizam as promessas educativas. E se a administração central estiver de facto ao serviço dos territórios e das escolas.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico