A revolução de Abril também chegou aos cabeleireiros em Portugal, sentando lado a lado patroas e empregadas e soltando os cabelos das mulheres que, também elas, experimentavam a liberdade.
Antes do 25 de Abril de 1974, as idas aos cabeleireiros eram espaçadas e, na maioria dos casos, reservadas para dias de festa ou vésperas de férias e, ainda assim, diferenciados consoantes as classes que serviam.
“Passou a haver uma preocupação com a imagem e com o tratamento do cabelo ao longo de todas as semanas e nĂŁo sĂł em datas especiais”, disse Ă agĂȘncia Lusa o presidente da Associação Portuguesa de Barbearias, Cabeleireiros e Institutos de Beleza (APBCIB), Miguel Garcia.
Apesar de ter 13 anos quando ocorreu a revolução, cujas operaçÔes e troca de cravos em Lisboa presenciou, Miguel Garcia frequentava o cabeleireiro do pai e acabou por seguir o mesmo ofĂcio, o que lhe permitiu observar e praticar as mudanças que Abril promoveu.
“Passou a haver uma preocupação de as pessoas estarem mais lado a lado”, disse, acrescentando que a revolução acabou com “aquela hierarquia de as senhoras de bem irem a um determinado salĂŁo e as pessoas empregadas ou domĂ©sticas a outros salĂ”es”, adiantou.
Como consequĂȘncia desta aproximação, “os salĂ”es ficaram mais ‘open space’ [espaços abertos] e a trabalhar com as pessoas uma ao lado da outra”.
Hoje, “qualquer pessoa, mesmo as figuras pĂșblicas, estĂĄ nos salĂ”es em ‘open space’ e fala com as pessoas do lado sem qualquer problema. NĂŁo querem sequer ficar fechadas e nĂŁo hĂĄ preocupação de estarem a ser atendidas”, disse.
Além da organização espacial, os cabeleireiros tiveram de adaptar os horårios às clientes que, após o 25 de Abril, passaram a estar cada vez mais empregadas.
“Antes do 25 de Abril era normal um cabeleireiro abrir Ă s 10h00 ou atĂ© Ă s 11h00. Depois, passaram a abrir cada vez mais cedo, porque as mulheres queriam cuidar dos seus cabelos antes de irem para o emprego e nĂŁo podiam esperar por aberturas tĂŁo tardias”, contou.
A taxa de atividade feminina passou de 18,7% em 1960 para 38,8% em 1981 e 49,9% em 2021, de acordo com dados dos vĂĄrios Censos.
Para Miguel Garcia, os cuidados com o cabelo e o couro cabeludo tambĂ©m se vulgarizaram, assim como as exigĂȘncias das clientes, e mais tarde dos homens, que sabem cada vez mais o que querem e precisam.
“Ainda me recordo de ir a Paris uma ou duas vezes por ano para saber e comprar os produtos mais avançados. Hoje, estĂŁo disponĂveis nĂŁo sĂł para nĂłs, profissionais, como sĂŁo as prĂłprias clientes que os procuram”, disse.
Em termos estĂ©ticos, Miguel Garcia lembra que “o grande ‘boom’ dos cabeleireiros aconteceu nos anos 70-80 [do sĂ©culo XX], com os cortes simĂ©tricos e assimĂ©tricos, ditados pela academia do cabeleireiro inglĂȘs Vidal Sassoon”.
“Nos anos 80-90 voltaram, tal como apĂłs o 25 de Abril, os cabelos muito selvagens, com muitas ondulaçÔes, muito encaracolados, Ă s vezes demasiado”, indicou.
A partir dos anos 2000, baixa o volume do cabelo, em parte devido Ă entrada de cada vez mais brasileiras, tal como aconteceu em outros continentes, pois a cultura da mulher brasileira Ă© tirar volume e pĂŽr os cabelos lisos.
A este propĂłsito, Miguel Garcia interpreta o crescimento dos cabeleireiros focados na população africana e brasileiros como um sinal da “globalização, da lei do mercado e da lei da concorrĂȘncia”.
“A partir do momento em que todo o mundo circula livremente por todo o mundo, Ă© normal que algumas profissĂ”es mais personalizadas, como o cabeleireiro, se estenda por todo o mundo”, disse.
E concluiu: “Nos anos 80 [do sĂ©culo XX], jĂĄ havia bairros em Paris sĂł com cabeleireiros africanos que sĂł trabalhavam com cabelos africanos. O tipo de cabeleireiro africano jĂĄ hĂĄ muito se estendia pelo mundo inteiro”.
Em Portugal existem cerca de 38 mil salÔes de cabeleireiro e institutos de beleza, os quais empregam mais de 50 mil pessoas.